30 de março de 2009

Considerar/valorizar o conhecimento prévio do grupo


A diversidade cultural, as desigualdades econômicas e os diferentes contextos socioambientais definem certas singularidades na educação do país. O "sujeito"professor também expressa essa multiplicidade – que determina parte considerável dos seus conhecimentos prévios – e é preciso que as metodologias de formação levem em conta essa característica, que é muito importante.
Sueli Furlan
Que silêncio é esse? De reflexão? De reprovação? De querer mais do que o oferecido? Silêncio que expressa o quê? Essas perguntas habitaram meu pensamento por horas. Queria encontrar respostas que justificassem a postura do grupo nos dois primeiros dias de encontro do parâmetros em Ação: pouquíssimas pessoas participavam das discussões, explicitavam suas crenças ou se opunham àquilo que estava sendo tratado.
Apesar dessa constatação, permaneci com a sensação de que ali estavam profissionais envolvidos, disponíveis para a aprendizagem. Em nenhum momento mostraram-se hostis. O que estava acontecendo, então? Compartilhei minha angústia com a Regina Lico, minha companheira de quarto e, para minha surpresa, ela sugeriu que eu dividisse essa preocupação com os próprios educadores. Sua sugestão me causou ao mesmo tempo vontade de experimentar e receio. "Nossa, essa é uma estratégia ousada!", comentei.
"E formador precisa ser ousado!", foi o que ouvi. Deu vontade de experimentar, ou melhor dizendo, de ousar. Venceu o receio.
À noite, a partir da sugestão da Regina Lico, escrevi um relato expressando faria algumas mudanças na pauta anunciada no início dos trabalhos.
“Primeiro, a constatação: pauta pensada, repensada, não é sinônimo de rumo certo, objetivo atingido. Às vezes é necessário mudar o rumo.
Só agora, tarde da noite, é que me permito refletir sobre os acontecimentos do dia. Primeiro dia – observo as pessoas. Alguns olhos curiosos parecem se perguntar: ‘Afinal de contas do que se trata esse Encontro? E esse material? O que especificamente farei com ele?’
Outros olhos travam uma batalha contra o cansaço. O dia é longo e tantas outras variáveis permeiam o seu desenrolar: as horas de viagem, o filho doente…
Ansiosa em estabelecer um vínculo com o grupo e atendê-lo em sua necessidade principal me deparo com o primeiro obstáculo: as questões colocadas pelas seqüências iniciais não são provocativas, não causam aquele desconforto saudável e desejado por todo formador. Que silêncio é esse? De reflexão?De reprovação? De querer mais do que o oferecido? Silêncio que expressa o quê?Segundo dia – Começo a pensar em mudar um pouco o rumo da pauta.
Talvez as questões sobre a alfabetização sejam mais pertinentes para esse grupo. As seqüências envolvendo o Módulo Educar e Cuidar parecem não funcionar como disparadoras das necessárias discussões. Hora de mudar o rumo?
Eis aqui a difícil e motivadora missão do formador: planejar e estar atento aos saberes do grupo, ao movimento que revela e indica os rumos da caminhada. Afinal de contas, não é isso que propomos que os professores façam em relação a seus alunos?”
É preciso não perder de vista que o educador também possui conhecimentos prévios e que é a partir deles que outros conhecimentos serão edificados. Ignorá-los significa retroceder ao tempo da tábula rasa. O grupo ouviu atento e aparentemente surpreso. Ao final, um silêncio pairou na sala, ninguém se manifestou. Propus as mudanças na condução da pauta e todos aceitaram. Acho que a manifestação veio mesmo algumas horas depois: as pessoas expondo suas idéias, tentando persuadir os companheiros nos momentos de discussão, estreitando vínculos comigo e, no último dia, revelando-se nas atividades de simulação, momento em que assumem o papel de formadores.
Só agora, distante da situação e de toda a ansiedade que envolve ter de mudar, da noite para o dia, uma pauta criteriosamente planejada, tenho consciência do impacto desse acontecimento no meu percurso de formadora. Ser formador exige reflexão sistemática sobre a própria prática, autonomia intelectual, compromisso político, destituição da crença em verdades absolutas. Exige habilidades: a habilidade de cobrar e oferecer, desestabilizar e acolher, desejar saber e provocar esse desejo no outro… Exige intimidade com a "arte de fazer da diversidade a regra", como aconselha Perrenoud.
Cristiane Pelissari

Num dos grupos que coordenei no Encontro do Parâmetros em Ação tive de alterar consideravelmente a pauta, o que me fez refletir sobre a importância de termos algumas atividades ou questões alternativas para trabalhar com grupos que tenham pouca informação sobre os conteúdos a serem abordados.
A dificuldade de lidar com esse grupo me fez lembrar de algo que sempre penso: "Um bom professor não é aquele que é eficiente somente com os bons alunos, mas aquele que também é eficiente (consegue de fato ensinar) com aqueles alunos com mais dificuldades". Essa questão me angustiava, porque não adiantava eu estar feliz por ter feito um bom trabalho na semana anterior com um grupo que respondeu muito bem às atividades propostas…Era preciso conseguir atingir os objetivos do trabalho também com este grupo que estava demonstrando mais dificuldades… Por isso, conversei muito com as formadoras Rosinha e Rosa Antunes, e discutimos a importância, para o bom desempenho de um grupo de formação, da existência de conhecimentos prévios pertinentes e de disponibilidade para a aprendizagem. No caso, aparentemente faltavam essas duas condições.
Em relação ao primeiro item – falta de conhecimentos prévios –, decidi alterar a pauta de trabalho. Em relação ao segundo – a aparente falta de disponibilidade para aprender –, julguei que era conseqüência da ansiedade e insegurança dos educadores para desenvolver um trabalho sobre o qual não tinham ainda muitas certezas e /ou que acreditavam não ter condições de realizar. A discussão sobre questões relacionadas à organização do trabalho de coordenador de grupo pareceu contribuir para atenuar os sentimentos deles em relação à nova tarefa que estavam sendo convidados a assumir…
Sandra Mayumi Murakami Medrano

Às vezes queremos problematizar o tempo todo, não percebendo o ritmo do grupo. A tarefa se torna exaustiva e o grupo se desanima. Oferecer progressivamente novos elementos para a discussão, por meio de programas de vídeo, textos, exemplos de atividades, ajuda a dosar o nível de desafio…
Renata Violante

Que os alunos têm saberes diferentes já é bem sabido por nós, formadores. Prova disso é o quanto temos nos empenhado em discutir, com os professores de todo o país, que é preciso educar na diversidade. A novidade parece, então, residir no deslocamento do sujeito-professor para o sujeito-formador de formadores (que é o papel que desempenhamos no Programa Parâmetros em Ação): como é formar na diversidade? Como é conceber a diversidade de saberes dos futuros formadores como uma das principais variáveis da organização e da condução da pauta? Quais competências precisamos desenvolver para desvelar as teorias que guiam a prática dos educadores e, assim, criarmos referenciais que desencadeiem as discussões necessárias e formativas?
Não consigo, ainda, adentrar o campo das respostas para essas questões. Provavelmente construir-se-ão ao longo do meu percurso de formadora. Hoje, consigo apenas acreditar que, se pretendemos formar formadores a partir de uma proposta coerente com os princípios que queremos que eles utilizem com seus professores, e estes últimos, com seus alunos, precisamos explicitar, de alguma forma, como considerar a variável diversidade de conhecimentos prévios no trabalho de formação.
Beatriz Bontempi Gouveia

A maioria do grupo era de professores e pensava como professor. Eles demonstravam uma ansiedade para contar problemas de suas escolas e de seus alunos. Alguns contaram que, durante muitos anos, não tinham tido oportunidade de fazer cursos ou trocar experiências com outros colegas.
Algumas questões polêmicas dividiram o grupo, como, por exemplo, a presença de rituais religiosos na escola – rezar na entrada da aula. Na avaliação final, os professores explicitaram o "medo" da responsabilidade que lhes foi dada. Na minha opinião, esse "medo" é realista. Muitos sentiram dificuldade ao longo do Encontro e outros sabem que precisam estudar muito para darem conta das novas funções. Eles vão precisar de ajuda!
Antonia Terra

Quando coordenei o primeiro grupo do Parâmetros em Ação, verifiquei que, na maioria das vezes, os participantes não tinham clareza de sua real função como coordenadores de grupo. Passei, então, a adotar a estratégia de discutir mais demoradamente esse assunto… Para tanto, decidimos, eu e Maria da Glória Midlej, garantir sempre um brainstorm sobre o "que é coordenar" – para diagnosticar o conhecimento do grupo, e, a partir da socialização das respostas, levantar questões acerca da distância entre a situação real e a ideal, sinalizando para a responsabilidade que todos terão depois do Encontro. Os resultados têm sido bastante positivos e significativos.
Maria Laura Petitinga Silva

No momento da atividade "Procure Alguém", vários participantes disseram que já conheciam essa estratégia e que já a utilizavam com os professores. Combinei então não me estender na discussão, mas insisti que faríamos a atividade porque muitos ainda não a conheciam.
Márcia Gianvechio

É necessário explicitar a terminologia que utilizamos: ela pode ser familiar apenas para nós mesmos, e não para o grupo.
Renata Violante

Minha experiência como formadora tem me ensinado a diminuir meu nível de expectativa em relação a resultados imediatos. A princípio, considerava que meu trabalho iria refletir em transformação rápida e profunda do trabalho cotidiano. Hoje, sei que tudo aquilo que pretendo que o professor assuma está em contradição não somente com o que ele estudou no curso de formação inicial, mas com sua história como aluno e as crenças a respeito de como se aprende.
Luciana Hubner


Potencializar talentos e conhecimentos do grupo

O que geralmente acontece no Encontro da Fase 1 do Programa Parâmetros em Ação? Os educadores chegam para a primeira plenária (o Encontro de quatro dias tem duas plenárias – uma no início e outra no final) receosos, céticos, sérios, e o que é mais interessante, quase sempre não sabem que estão ali para posteriormente assumir a coordenação de grupos de estudo com professores. O primeiro momento é de impacto! Nem acreditam que aquilo lá não seja apenas mais um treinamento, curso, seminário… Entretanto, na última plenária, a situação modifica-se. Lá estão eles: ansiosos, esperançosos, alimentados, animados e querendo começar logo os trabalhos com os professores.
Por que será que isso ocorre? Provavelmente, porque eles vivenciam momentos de formação e de reflexão sobre formação de professores com um outro foco, outro significado, com seriedade, com conteúdo. O conteúdo dialogado, refletido e construído nesses encontros é consistente, revela a complexidade que permeia a ação educativa e, ao mesmo tempo, como é possível trabalhar com o professor para que ele possa ressignificar a sua prática e cada vez mais possa planejar melhores situações de aprendizagem, para que seus alunos ampliem seus repertórios e construam seus conhecimentos.
Uma das coisas que mais me anima nesse trabalho é que não vendemos receitas, mas contribuímos para a descoberta de "fontes". Sonhamos com a possibilidade de que cada professor seja uma fonte inesgotável de possibilidades. E como suas salas de aula são repletas de alunos singulares, para cada situação – como ele é fonte – sempre descobrirá possibilidades e – como seus colegas também são fontes – poderão, no coletivo, descobrir muitas outras possibilidades.
Regina Cabral

Lembro-me da primeira vez que fizemos a atividade de escrita da memória nos grupos do Parâmetros em Ação. O grupo era grande e uma participante me pediu para ler a sua memória, já no fim do tempo previsto, pois só naquele momento ela havia se encorajado a fazê-lo. Decidimos ouvi-la. É um dos mais belos textos que coleciono, pois trata-se de uma escritora (que ela é na atualidade) que conheceu o seu primeiro livro já grande, uma vez que morava na roça e não tinha essa oportunidade lá. Apaixonou-se tanto por livros, que tornou-se um leitora contumaz e, hoje, escreve contos para crianças. Todo o grupo se emocionou com o relato e foi uma das melhores discussões que já fiz sobre esse tipo de escrita – das memórias.
Sueli Furlan

Uma das pessoas do grupo foi construindo uma análise muito sensível sobre a tela observada e, em um certo momento, isso foi percebido por outro membro do grupo, que levantou a questão: "Você parece que está mergulhando dentro do quadro com toda sua sensibilidade". Essa fala gerou uma infinidade de comentários sobre a apreciação da obra de arte e o fechamento para a atividade de simulação.
Viviane Canecchio Ferreirinho


Freqüentemente, nos damos conta de coisas que pensávamos estar fazendo bem, mas que podem ser melhoradas. E também nos damos conta de coisas que parecem ser insignificantes, porém têm muito valor. Nunca tinha percebido que escrevo durante o Encontro, e que essa atitude faz com que as pessoas procurem saber por que e o que estou escrevendo. Num dos grupos que coordenei, Giulia observou que, quando eu copiava a informação de um cartaz ou quando dizia "Vou escrever o que a … disse, pois me parece muito importante", eu validava o conhecimento do grupo, e que as pessoas que não davam muita atenção aos comentários dos colegas, ao me verem escrever, pediam para eles repetirem e também acabavam por registrar alguma coisa.
Renata Violante

Não desestabilizar o grupo
Muitas vezes, o fato de reconhecer que não se sabe algo não desencadeia desejo de aprender, mas, ao contrário, um bloqueio diante do que é novo. Foi com essa sensação que terminei um dos trabalhos do Parâmetros em Ação, no qual decidimos inserir uma discussão sobre o ensino da Matemática, juntamente com a das propostas de alfabetização com textos. A impressão que tive é que era muita novidade de uma só vez, o que deve ter provocado uma sensação de não saber acima do limite suportável… especialmente porque tratava-se de pessoas que estavam sendo convidadas a coordenar um trabalho de formação de professores.
Renata Violante

Há profissionais que, nos grupos de formação, se desesperam e acham que nunca fizeram nada certo, que o que vinham fazendo até então está tudo errado e começam a se maldizer. Geralmente, são profissionais angustiados com a prática que vêm desenvolvendo… Particularmente, procuro confortá-los com a reflexão acerca de uma passagem de Clarice Lispector sobre "erro": "Eu passei a minha vida tentando corrigir os erros que eu cometia na ânsia de acertar, mas, à medida que eu corrigia um erro, cometia outro, portanto, sou uma culpada inocente". Sem me perder no tempo, faço uma bela viagem com os professores em torno dessa passagem. Ajuda-me muito e em diversas ocasiões.
José Dionísio


Dar devolutivas que, ao mesmo tempo, incentivam e apontam as necessidades de avanço
Nesta cadência de formação deve-se garantir um espaço real de interlocução, um tempo em que formadores e professores planejam juntos, pensam juntos, refletem juntos e projetam juntos. Além de lançar mão do repertório de estratégias metodológicas que vimos pensando e ampliando, o formador não pode esquecer do momento de aprendizagem de seu grupo de professores, dos conhecimentos prévios de que dispõem no momento, do poder de fogo intelectual que apresentam e do movimento de, ao mesmo tempo, apontar questões e acolher. É preciso cuidar desta parceria formador/professor para não exigir sem oferecer instrumentos, para não deixá-los sozinhos e desarmados, para a música não vibrar alta demais para um corpo.
Beatriz Bontempi Gouveia

Não cabe ao formador contentar-se com a descrição da experiência dos professores: é preciso, de alguma forma, ajudá-los a identificar as concepções que determinam a sua prática.
Renata Violante

Não deixar transparecer o mau humor com os profissionais desinformados, resistentes, monopolizadores Minha expectativa era encontrar um grupo com um nível de conhecimento elevado e admito que eu estava um tanto receosa. Não pelo suposto conhecimento do grupo, e sim pela receptividade que teria. Como seria esse grupo?
O primeiro contato foi tranqüilo e a turma me recebeu muito bem. As condições de trabalho eram um tanto precárias, tendo, por exemplo, um único retroprojetor para três turmas, o que evidentemente, provocou uma dificuldade para desenvolver o trabalho.
"Um bom formador deixa tudo pronto, para não atrapalhar o trabalho." comentou uma participante do grupo, diante da falta do retroprojetor para uma atividade. Ela já havia realizado outras provocações, opondo-se a tudo que era colocado, enfatizando seu conhecimento em relação aos Parâmetros Curriculares. Aproveitei sua fala e chamei a atenção da turma para os imprevistos que podem acontecer num momento de formação, exemplificando com o que havia acabado de ocorrer e acrescentando que é sempre importante que o formador tenha uma "carta na manga" – o primordial é não deixar de fazer o trabalho proposto. Ou seja, um bom formador deve ultrapassar os obstáculos do caminho. Conversamos um pouco sobre as dificuldades em desenvolver um bom trabalho de formação e sobre como não se deixar abater pelos percalços.
A forma como encaminhei essa discussão envolveu o grupo, desmistificando o superpoder de quem coordena o trabalho e seduzindo a educadora que havia feito as provocações a se envolver nas atividades – o fato é que, no final das contas, ela passou a me auxiliar na organização do material.
Maria Cristina Leandro Paiva

Reconhecer as próprias falhas como formador
Na ansiedade de dar conta da pauta de trabalho com as questões de alfabetização, que era a mais desafiadora para este grupo, acabei me atrapalhando na apresentação do texto A menina do chapéu verde. Ao invés de mostrar primeiro o texto transcrito, mostrei a escrita da criança… Acabei com a surpresa e com a problematização! Comentei esse erro com o grupo e foquei a discussão nas estratégias metodológicas de formação, refletindo sobre como um procedimento mal-encaminhado poderia estragar, e até abortar, um tema riquíssimo. Como mencionou uma professora, estratégias de formação são como atividades pensadas para as crianças: têm que ser possíveis e difíceis, ou seja têm de levar o professor a pensar.
Viviane Canecchio Ferreirinho

Ao distribuir produções de alunos não-alfabetizados para que os educadores analisassem o nível de conhecimento que elas revelavam, deparei-me com dois problemas. O primeiro é que havia numerado as escritas, o que acabou por se confundir com a numeração da seqüência que deveria ser organizada em seguida. E o segundo é que utilizei um jogo novo de transparências de escritas de alunos, fornecido pela Roberta no dia anterior, que, por falta de uma análise cuidadosa de minha parte, acabou complicando a análise do grupo.
Explicitei esses dois erros da minha parte, o que favoreceu uma análise interessante para os educadores, especialmente a possibilidade de aprendermos com situações ocorridas de forma inadequada.
Sandra Mayumi Murakami Medrano

Freqüentemente, tenho antecipado para os grupos de formação aspectos da minha prática que gostaria de melhorar, como, por exemplo, a questão do registro coletivo. Essa experiência tem sido muito positiva, pois permite que olhem para o coordenador como alguém que tem limitações e que está sempre em busca de melhorar.
Renata Violante

Explicitar as lições aprendidas, o próprio processo de formação
O grupo era o terceiro com que eu trabalhava no Programa Parâmetros em Ação. No primeiro dia do Encontro, as pessoas pareceram-me muito tímidas; mesmo as que já se conheciam conversavam pouco. Tenho começado os Encontros com a história "O que uma mulher espera de um homem" (Rei Artur), lendo parte da história no início da tarde, deixando para contar o restante no final, brinco um pouco, peço que explicitem seu palpite sobre o desfecho da história e, até então, essa me parecia uma boa estratégia para iniciar o "namoro" com o grupo, pois o conto é engraçado, tem a questão do suspense e as pessoas acabam por conversar um pouco, deixando o "clima" mais descontraído.
Com esse grupo foi um pouco diferente: disse que gostaria de começar nosso Encontro com uma história, li o trecho inicial e comecei a questionar as participantes sobre o que achavam que seria a decisão do cavaleiro. As pessoas, timidamente, davam suas impressões com frases curtas e evasivas, sem o entusiasmo demonstrado pelos outros grupos em que já havia contado o mesmo trecho – fiquei um pouco intrigada, mas continuei o trabalho. Durante a apresentação, procuraram ser breves, não se estendendo muito com detalhes. Conforme fui apresentando a estrutura do trabalho dos quatro dias do Encontro, juntamente com as expectativas de aprendizagem, percebia um silêncio grande, mas não conseguia identificar o porquê. Fizemos os combinados sobre o Caderno de Registro Coletivo, as participantes escreveram suas memórias e as leram para o grupo, exploraram minimamente os livretos do programa, ou seja, consegui cumprir a pauta do dia – na verdade, as pessoas acatavam o que eu dizia sem questionar ou sugerir nada.
No segundo dia, não foi muito diferente: procurei ficar mais atenta ainda ao movimento do grupo, a cada discussão tentava "cutucá-las" ao máximo para ver se iam além de respostas curtas às questões levantadas. Observei que, embora não tivessem muito conhecimento sobre o conteúdo debatido (alfabetização), não me parecia ser esse o motivo de tanta timidez, pois as pessoas acabavam por expor suas hipóteses ao analisar as escritas dos alunos, traziam algumas dúvidas, mas nada com muito entusiasmo: parece que faltava "vida" nas discussões, só havia alguma "inflamação" quando alguém tocava em questões salariais, havia no ar o fantasma da diferença salarial entre os municípios, mas nada muito explícito.
No final da tarde, não agüentando mais, resolvi abrir para o grupo a minha inquietação, disse que as percebia muito quietas, que não estava conseguindo "ler" esse silêncio e que gostaria que elas dissessem o que estava se passando, se era o conteúdo que estávamos discutindo ou a forma como estávamos fazendo que não as deixava falar muito. Depois de um longo silêncio, entrecortado com alguns "Não. Imagina!", "Tá tudo bem!", uma das participantes se colocou da seguinte forma: "Você quer mesmo saber o que a gente está sentindo? O que está ‘rolando’ no café, nos corredores? Nós estamos morrendo de medo de ser Coordenadores de Grupo! A gente não sabe o que é isso, e se vai dar conta!". Outras falas vieram engrossar essa denúncia. Rapidamente fiz uma retrospectiva dos dois dias e, embora não tivesse muita clareza do que fazer, sabia que tinha de fazer algo. Então, me comprometi a falar do assunto no dia seguinte, uma vez que o tempo estava esgotado (graças a Deus!). Durante o caminho de volta para o hotel, fui pensando em como poderia fazer para ajudar o grupo nessa questão do papel de formador que lhes estava sendo colocada pelo Programa. Tentei pensar no meu trajeto na Secretaria de Educação em que trabalho e no que a minha experiência poderia ajudar nesse momento. Discuti a situação com a Rosa Maria, que estava trabalhando com o outro grupo de 1ª- a 4ª- e alfabetização, e à noite, juntamente com a formadora do grupo de EJA, Sandra Medrano, rediscutimos a pauta do terceiro dia do Encontro e construímos um instrumento para orientar o trabalho do Coordenador de Grupo.
Com esse material em mãos, reorganizei a pauta do terceiro dia, iniciando com a discussão do papel de formador do coordenador de grupo: a cada questão apresentada, percebia que o grupo ia ficando mais animado, a discussão fluía com bastante pertinência, as dúvidas que surgiam tinham coerência e o que não conseguíamos responder no grupo ia para o painel de dúvidas, que seriam dirigidas aos Secretários Municipais na Plenária de Encerramento.
Procurei, sempre que possível, trazer para a discussão a experiência de implementação do Parâmetros em Ação na Secretaria em que trabalho, explicitando o processo que vivemos, as dúvidas que tivemos, o jeito que conseguimos resolver algumas questões e onde ainda estávamos errando e buscando soluções. Estava, nesse momento, com a expectativa de que pudessem perceber que, embora essa condição de formador requeira, sim, muita responsabilidade de quem a assume, também é uma competência que se constrói no processo, que é sendo formador que se aprende a fazer formação de professores.
Acho que ganhei o grupo nesse momento: a partir daí notei que estavam muito entusiasmadas com a possibilidade de fazer um trabalho novo em suas cidades.
Pedi que se agrupassem, então, por municípios e que tentassem responder às questões propostas, pensando na sua realidade. E cada vez que alguém levantava alguma questão, as colegas já traziam sugestões de encaminhamento. É engraçado como o foco da discussão parecia ter mudado: todas já falavam como se fossem as coordenadoras de suas escolas, referiam-se aos professores, como "o meu grupo", parece que valeu a pena ter mudado a pauta e atendido à necessidade do grupo. Novamente explicitei para elas o meu percurso, falei das alterações que fiz em função da necessidade do grupo, procurei deixar claro que, num trabalho de formação, essas mudanças de rota às vezes são fundamentais e devem acontecer. Em seguida, retomei a pauta inicial e discutimos as vivências, nas quais elas poderiam simular essa nova situação de coordenadoras, planejando previamente um Encontro e depois coordenando uma seqüência de atividades com o grupo. Foi muito proveitoso esse momento, pois ocorreu a seguir a discussão do papel de coordenador de grupo: elas pareceram levar muito a sério esse momento, preocupavam-se em planejar muito bem cada detalhe da simulação.
Percebi o quanto essa situação toda foi educativa para elas e, principalmente, para mim – o fato de deparar-me com um grupo quieto (o que me pareceu, a princípio, timidez, resistência…), na verdade, revelava que o que realmente estava acontecendo era falta de clareza do que se esperava que fizessem depois do Encontro. Foi a primeira vez que uma situação desse tipo acontece comigo e acho que o mais importante que fiz foi explicitar para o grupo a minha preocupação com relação ao trabalho que estava desenvolvendo, a dúvida quanto à sua participação e "aprendizagem". Se tivesse ficado apenas na dúvida, sem perguntar o que estava acontecendo, provavelmente teria cumprido a pauta sem nenhum problema, as pessoas continuariam "participando" timidamente, com a cabeça em outro lugar, e sairíamos todas com a sensação de um Encontro "morno". Ao correr o risco de ouvir algo que talvez não gostasse – pois elas poderiam dizer que era a forma como eu fazia uma coisa ou outra ou qualquer coisa que não me agradasse muito – aprendi/constatei que, como se diz nos livros, "o planejamento é flexível", que "se deve estar atento ao movimento grupo" e, o mais importante, que: "o conhecimento se constrói na interação com o outro". Aprendi também que se estivesse sozinha nessa situação, sem a possibilidade de troca com as parceiras da equipe, seria muito mais difícil "chegar a um final feliz!" Aprendi, portanto, mais uma vez, que se aprende a fazer formação de professores, fazendo formação de professores!
Rosa Maria Monsanto Glória