11 de maio de 2009

Registro escrito


A leitura, o estudo, a sistematização escrita nos cadernos de registro dos trabalhos desenvolvidos no grupo, a apresentação oral do conteúdo dosregistros e a discussão com os demais participantes, com a ajuda do formador,contribuem para o desenvolvimento de competências de uso da linguagem oral e escrita cuja importância é fundamental, já que não são práticas comuns no cotidiano de muitos educadores.
Walter Takemoto
O ato de refletir por escrito possibilita a criação de um espaço para que a reflexão sobre a prática ultrapasse a simples constatação. Escrever sobre alguma coisa faz com que se construa uma experiência de reflexão organizada, produzindo, para nós mesmos, um conhecimento mais aprofundado sobre a prática, sobre as nossas crenças, sobre o que sabemos e o que não sabemos.
Telma Weisz
A escrita é um ato difícil. Escritores, compositores, jornalistas, professores e todos os profissionais que têm na escrita um instrumento de trabalho em geral dizem que "suam a camisa" para redigir seus textos. Mas dizem também que a satisfação do texto pronto vale o esforço de produzi-lo.
Há muitas falsas idéias sobre a escrita.
Há quem pense que os que gostam de escrever têm o dom das palavras e que para estes as palavras "saem mais fácil". Não é verdade. Escrever não depende de dom, mas de empenho, dedicação, compromisso, seriedade, desejo e crença na possibilidade de ter algo a dizer que vale a pena. Escrever é um procedimento e, como tal, depende de exercitação: o talento da escrita nasce da freqüência com que ela é experimentada.
Há quem pense que só os que gostam devem escrever. Não é verdade. Todos que têm algo dizer, que têm o que compartilhar, que precisam documentar o que vivem, que querem refletir sobre as coisas da vida e sobre o próprio trabalho, que ensinam a ler e escrever... precisam escrever. Por isso, nós professores precisamos escrever: porque temos o que dizer, porque temos o que compartilhar, porque precisamos documentar o que vivemos e refletir sobre isso, e porque ensinamos a escrever – somos profissionais da escrita!
Se a escola não nos ensinou a intimidade e o gosto por escrever, só nos resta dar a volta por cima, arregaçar as mangas e assumir os riscos: escrever é preciso!"

Texto de abertura do Caderno de Registro dos educadores cursistas
PROGRAMA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES ALFABETIZADORES

Se a intenção é formar educadores que sejam usuários competentes da linguagem, as propostas de leitura, escrita e discussão, desde que bem planejadas e adequadamente apresentadas, serão sempre oportunidades privilegiadas para o desenvolvimento das competências de uso da linguagem e para potencializá-lo como espaço de reflexão.
Se, por um lado, ler e estudar são procedimentos fundamentais que favorecem a ampliação das possibilidades de interpretar e produzir sentido, por outro lado, relatar, descrever, comentar, explicar, analisar, discutir, comparar possibilidades e estabelecer relações são procedimentos que favorecem a ampliação das possibilidades de construir saberes e expressar o pensamento oralmente e por escrito.
Tudo isso deve ter lugar numa proposta de formação que toma os educadores como sujeitos do seu processo de aprendizagem. Portanto, é preciso criar condições para que eles não apenas escutem – o que é habitual nas práticas convencionais de formação – mas que efetivamente leiam, escrevam e falem o que pensam.
Nesse item, o destaque é para as estratégias metodológicas de formação apoiadas no registro escrito.Algumas possibilidades de uso do registro escrito incentivadas no Parâmetros em Ação e no Programa de Formação de Professores Alfabetizadores são: o relato de experiências, opiniões, reflexões pessoais, conhecimentos adquiridos, preocupações profissionais etc.; a resposta individual ou coletiva a partir de uma questão/proposta colocada pelo formador; a anotação de observações a partir de um programa de vídeo ou de uma situação analisada; o registro das contribuições trazidas pela discussão coletiva à prática pedagógica; a documentação do planejamento de atividades; a elaboração de resumos de leitura e de síntese conclusivas.
Seguem-se alguns relatos que abordam (e/ou revelam) especialmente a importância do registro escrito na formação dos educadores, as dificuldades que essa atividade coloca e o papel do formador para incentivá-la e torná-la uma prática habitual nos grupos.A maior parte dos depoimentos de formadores trata do uso do caderno de registro coletivo das discussões realizadas nos grupos de formação, que é uma prática proposta e muito incentivada no Parâmetros em Ação. E, na seqüência, há alguns registros de professores: trechos de relatórios da equipe de uma creche com um projeto sério de formação em serviço, cujas conseqüências na equipe de educadores se poderá inferir a partir dos textos produzidos por eles durante os últimos anos.
Segundo os formadores, a escrita de textos é uma das situações mais desconfortáveis para os professores, por incrível que pareça (afinal, a natureza do trabalho pedagógico pressupõe a prática de escrita). Eles dizem que as justificativas são várias, mas a que mais se destaca é o medo de ser avaliado. Na verdade, o que os professores estão constatando é que não sabem escrever como acham que deveriam, e é difícil lidar com essa situação.
Quando se discute esse tipo de questão nos grupos de formadores, a conclusão a que chegam é que eles próprios precisam investir em si mesmos para melhorar sua competência escritora: se eles, que são formadores, não escrevem tanto ou tão bem quanto deveriam, como é que vão incentivar os professores a fazê-lo?
Todos têm sido unânimes em afirmar que o educador precisa desenvolver a prática de escrita e acredito que uma das formas de favorecê-la é incentivar o uso do computador, sempre que possível. Quando se escreve no computador,a relação com o texto é diferente da que se tem ao escrever à mão, no papel: há uma mobilidade maior, uma facilidade em trocar coisas de lugar e uma possibilidade de valorizar mais o texto porque ele pode ser impresso.
Rosa Maria Antunes de Barros
Certamente, todos concordam que o registro escrito não é uma tarefa simples: reveste-se de uma certa complexidade e de algumas dificuldades.
Além de pensar no que escrever, muitas vezes é difícil encontrar a forma adequada de fazê-lo.
Se pensarmos nos textos enquanto unidades comunicativas que manifestam intenções de quem os produz – pretendem informar, convencer, seduzir, instruir, sugerir – podemos organizar situações de aprendizagem de forma a oferecer aos educadores informações úteis à tarefa de registro.
Que situações propor em relação ao Caderno de Registro nos grupos de formação?
Uma das formas é refletir coletivamente antes da primeira escrita, levantando/discutindo com o grupo:
• Possíveis funções do registro – isso ajudará a selecionar o conteúdo.
• Quais informações ajudariam a compor um bom registro.
• Algumas possibilidades de organização textual e tipo de linguagem predominante nos textos que têm como finalidade o registro de um trabalho coletivo de formação.
• As principais conclusões relacionadas aos trabalhos do dia.
• Modelos de referência – principalmente lendo alguns registros interessantes e de boa qualidade produzidos em outros grupos.
Quanto às devolutivas do coordenador de grupo, após o registro feito, penso que essa é uma questão delicada. Acredito que devemos sempre acolher e valorizar os textos produzidos e, quando estiverem pouco informativos em relação às finalidades que caracterizam um gênero desse tipo, se houver "clima", podemos
dar uma devolutiva pautada nos itens discutidos antes da primeira escrita.
Isso é algo que pode fazer o conhecimento do grupo avançar, desde que o autor do texto não fique numa situação difícil, sentindo-se, de alguma forma, criticadopublicamente. A sensibilidade do coordenador de grupo é fundamental para tomar a decisão mais acertada em relação a dar ou não uma devolutiva.
Pedir que a pessoa que se encarregou do registro dê seu depoimento sobre as dificuldades encontradas, os procedimentos utilizados etc. é importante para que o coordenador perceba se cabe uma devolutiva e se favorece a reflexão sobre esse tipo de escrita.
Iniciar os trabalhos com a leitura do Caderno de Registro não só resgata oque se trabalhou no dia anterior, mas também propicia um momento em que as pessoas podem reler suas anotações e acrescentar algo que eventualmente não foi citado. O próprio coordenador do grupo também deve estar preparado para essa atividade, utilizando dados do seu próprio registro – seus pensamentos, descobertas feitas pelo grupo, suas conclusões, algumas pendências ou dúvidas que ficaram sem resposta.
Renata Violante
O Caderno de Registro é um espaço que mantém viva a engrenagem de escrever e refletir sobre o que se faz. É o espaço que documenta o pensamento dos educadores, onde ficam registradas suas versões sobre a prática desenvolvida, sua verdadeira autoria. Nos registros, eles têm a possibilidade de apresentar, explicar, justificar, interpretar, questionar suas ações. Por meio da escrita é possível "voltar" à prática desenvolvida para compreendê-la melhor e para ter parâmetros para analisar o que se faz. Tarefa imprescindível, porém nada fácil.
É preciso manter o braço aquecido: o insaciável e abrasivo hábito de escrever.
Beatriz Bontempi Gouveia
A descoberta do Caderno de Registro coletivo (o que chamamos CadernoVolante) como fonte de articulação do trabalho, e também como gerador de um sentimento de coletivo, tem me encantado. Neste grupo, especialmente, o registro possibilitou uma discussão muito rica de suas ricas possibilidades como estratégia de formação. O fato de inicialmente agregarmos algumas informaçõessobre o local dá um sentido de valorização, que parece envolver de uma maneira especial as pessoas. O grupo trouxe muitas contribuições, não só de informações locais, mas também textos que fundamentavam a importância do registro.
Rosângela Veliago
Na minha prática como formadora, introduzi o Caderno Volante como forma de um fio condutor do processo de formação em curso. O que ocorreu é que o grupo passou a vê-lo como uma forma de vínculo com o trabalho e com o próprio grupo, fazendo dele um companheiro inseparável. O caderno tem um pouco de cada um, contribuindo para o desenvolvimento da identidade do grupo.
Maria Cristina Leandro Paiva
O Caderno Volante tem sido um bom aliado durante o Encontro do Parâmetros em Ação. Muito embora alguns relatos permaneçam meramente descritivos, é possível refletir sobre o papel do registro, a que se presta e como deve ser feito.
Tenho investido nesse exercício e tem sido bastante gratificante. Adoto como prática nunca indicar o redator, deixo que os voluntários se manifestem. Mas, apesar de não me envolver na escolha, informo que o relato não pode deixar de ser feito, o que é sofrido para eles: muitos prefeririam que eu nomeasse alguns, acabando com aquela história de ficar à espera de alguém que se candidate. Deixo o grupo bastante à vontade quanto à utilização do caderno,mas fico atenta às oportunidades e faço observações quando sinto que posso,tendo cuidado para não inibi-los. Escrever em um caderno que vai circular sabe-se lá onde, para além do seu município, de seu Estado, é algo assustador, ainda mais para quem não tem o hábito de escrever nem para si.
Fernanda Leturiondo Parente
Para conseguir um voluntário para escrever no caderno volante foi um sacrifício.
Ninguém queria escrever, de jeito nenhum. Ninguém se oferecia, e eu me sentia muito à vontade para indicar alguém. Fiz algumas tentativas.
Utilizei toda a minha competência de discurso. Nada!
Mostrei todas as vantagens de escrever e as desvantagens de não escrever. Nada!
Fiz malabarismos com o caderno, brinquei, contei piadas sobre as minhas gafes na escrita. Rimos à valer e... Nada!
Solicitei idéias e sugestões para ajudar a resolver esse impacto. Nada!
Então, confessei ao grupo a minha impotência e o esgotamento do meu estoque de idéias. Só me restava naquele momento ler algumas passagens do registro de outros grupos, de outros pólos, e socializar os depoimentos de colegas diante de situação semelhante.
Foi incrível a reação do grupo. Além do que eu podia imaginar. Ficaram muito emocionadas e identificadas com os sentimentos que eram descritos nos trechos que diziam respeito ao medo inicial de assumir a representação do grupo, os sentimentos que tinham, o receio de não conseguir produzir um bom texto, os erros que poderiam cometer etc. Então, quase imediatamente, uma mão se estendeu em direção ao caderno.
Ficamos todas olhando e levei alguns segundos para perceber o que aquele gesto solicitava. O que aprendi? A fonte criativa é inesgotável. A previsibilidade é imprevisível. Naquele momento era a pauta, o grupo e eu. As estratégias me ajudaram? É claro que sim. Como?Permitindo a reconstrução e a recriação das próprias estratégias!
Riva Cusnir
Distribuir a responsabilidade pelo registro para uma dupla ou um pequeno grupo, sempre que possível, ameniza a ansiedade de quem vai registrar e ao mesmo tempo potencializa o trabalho em equipe, que é um dos grandes desafios do trabalho de formação de educadores.
Rosângela Veliago
Algo tem me chamado a atenção nos encontros do Parâmetros em Ação, quando discutimos o que os participantes do grupo registram em seus cadernos. Tenho observado que, quando eles aprendem algo, procuram sempre relacionar à sua prática. Talvez isso explique por que, diante da pergunta sobre o que é importante anotar, escuto sempre a mesma resposta: "o que poderei usar no meu trabalho".
Renata Violante
Este ano, tive oportunidade de observar várias atividades desenvolvidas pela Aricélia, no grupo de Educação Infantil. Ela dá ênfase às estratégias de formação, em especial ao exercício do registro. Dessa maneira, os participantes acabam escrevendo o tempo todo. Eu mesma vivi essa experiência no grupo. Assinalei, inclusive, aquilo que poderá me servir mais em um novo planejamento para grupos de 1ª a 4ª série, tanto no que diz respeito a fazer o educador escrever, como no controle do tempo e no levantamento constante de conhecimentos prévios, preocupações que continuo tendo no meu percurso como formadora do Programa Parâmetros Em Ação.
Alice de La Rocque Romeiro
Quando me vi no lugar de formadora do Programa Parâmetros em Ação, diante do desafio de concretizar a prática do Caderno de Registro num Encontro de 32 horas, fiquei freneticamente buscando significados para um registro que no mundo das minhas idéias pode ser representado como um "Menino que é um anjo que ainda não criou asas e um diabinho que já perdeu o rabo" .31
Assim, comecei a levantar uma verdadeira chuva de questões, na perspectiva de buscar um porto um pouquinho mais seguro para a implementação de uma estratégia que teima em brigar com a nossa formação inicial de professores e pedagogos.
Entre as tantas perguntas que me fiz, algumas foram essenciais como: O que quero, o que desejo, o que preciso registrar? O que espero durante e depois do registro escrito? Onde vou chegar registrando?
Fui aos poucos me convencendo, felizmente, que nós professores somos teimosos por inúmeras vezes e, por isso, acreditamos que enquanto "todo mundo se contenta com um espelho, a minha alma precisa de dois: os meus olhos. Ora verdes, ora azuis, dependendo de como ela acende a luz".
Sabe quando descobri isto? No momento em que eu sentia que o silêncio torturante do medo se instalava e tentava engolir os educadores, futuros coordenadores de grupo do Programa, que tentavam registrar no caderno o seu universo de idéias, quando fazíamos o levantamento dos seus conhecimentos prévios. A partir daí, fiquei mais inquieta do que sou e fui "matutando" como minimizar a dor e, a cada Encontro, fui descobrindo que "Meus caminhos eu mesmo traço, e seus sabores eu mesmo invento". Assim, a cada vez, procuro percorrer um caminho com o grupo que não dispensa:
Socializar a pauta do Encontro - Preciso ouvir o que acham de tudo que está proposto na pauta de trabalho, se querem dar um "tom", acrescentar, ousar além do proposto. Nesse sentido, é garantida a participação de todos na reflexão sobre a pauta do encontro: todos precisam se sentir cúmplices, co-autores do trabalho. Começar pela socialização da pauta, planejando a sua operacionalização com o grupo, tem se revelado uma boa proposta. O exercício do registro começa a delicada colcha do Caderno de Registro individual e do caderno volante: a colcha precisa ser bordada por várias mãos. Esse é um desafio, um segredo para ser vivido, e não ouvido.
Caracterizar o nosso grupo de trabalho - Para início de conversa, quem somos nós? É fundamental "quebrar o gelo", construir o vínculo e conhecer um pouquinho da história de cada um que vai dar o tom do Encontro. Isso carece de encanto, para que, devagarinho, deixem soltar a mão travada, medrosa, que teima em não escrever.
Buscando os saberes de cada um - É o nosso primeiro Encontro e nossa mochila de vida está cheia, o desafio é vasculhar com o olhar despido do cotidiano e das frases feitas – "Isto eu já sei, isto eu já faço". É necessáriopermitir que o espaço individual, de busca do que cada um sabe, seja ocupado, vivido por alguns minutos solitariamente.
Socializando os nossos saberes no pequeno grupo - "Cuca boa fuça à toa.
Em cada lance vai de proa..." E muitas cucas, o que dirão? Sair da solidãoé prioridade. Abro o espaço para os educadores conversarem entre si. Aos poucos, eles vão percebendo, confirmando que essa atitude de ouvir o que o outro tem a dizer amplia os horizontes, confirma saberes, desinstala outros.
Tenho percebido que o grupo acaba percebendo a provisoriedade e o dinamismo do conhecimento.
Socializando com o todo, não somos fragmentos - "Muitas idéias entraram em nossas cabeças feito parafuso quente. É... não é fácil se meter a reinventar o mundo".
Quem chega de longe também tem espaço garantido na conversa - Eu, formadora, fico temendo e penso: tomara que ninguém diga que tenho cheiro e gosto de café requentado. Garanto o espaço da problematização partindo das falas que me incomodaram, que me fizeram refletir, que me desequilibraram.
Registrando a todo instante - Às vezes, dói! Parece que a mão teima em esconder os pensamentos para não deixar pistas. Chega a dar medo! É meio assim que sinto o grupo no início do trabalho com o registro escrito. Percebi que devia tornar acessível e desejável aos professores o exercício da escrita, para que issopossibilitasse uma referência mais dinâmica e reflexiva da condição de aprendiz, a partir da própria relação com o saber, com a pesquisa e com o ato de escrever – sem censuras, sem vigílias, sem cobranças, sem preocupações com a gramática e com a reestruturação do texto. E o grupo vai se soltando, decolando.
O grande "lance" é escrever o que puder, o que souber, do jeitinho que quiser.
Afinal, é hora do pontapé, de colocar a bola em jogo. Durante o processo de construção da prática de registro no grupo, aí sim, vamos burilando o grande diamante bruto do registrar. E então refletimos, discutimos, nos ouvimos sobre a utilização dessa estratégia metodológica que tem, dentre tantas finalidades, a da avaliação contínua das aprendizagens que são construídas – individualmente, após os momentos de socialização dos saberes nos subgrupos e no grande grupo, após minhas contribuições, a pesquisa na literatura e a reflexão sobre o aprendido.
Fazendo pontes entre práticas pedagógicas, teorias, história de vida: "Será um terremoto no peito? Ou é um vulcão nascendo sem jeito do fundo do coração"?
Refletindo sempre, a todo instante, não abro mão: Estamos como chegamos?
O que está acontecendo com os nossos conhecimentos? Sinto que, no momento dessa reflexão, o grupo "parece um pano rasgado que se vai soltando aos pedaços, deixando nosso corpo sem sumo, e tontos ficamos sem rumo". Então procuramos, todas juntas, conversar sobre os momentos dos quais lembramos que conseguimos aprender algo. O memorial de quando fomos alfabetizadas e de quando fomos professoras pela primeira vez tem ajudado muito a desatar os nós e reinstalar a confiança. Apreciando as produções de cada um: Percebo que o desequilíbrio chegou devagarinho: é hora de realimentar o grupo. "No parque, as folhas caem marrons, amareladas, salmão. É o jeito tênue de a natureza se despir do calor e se preparar pra outro inverno. Tempo em que as árvores ficam todas nuas..." Criei um espaço no trabalho onde todas "visitam" os Cadernos de Registro umas das outras, dão sugestões, anotam aquilo que consideram importante e que, por algum motivo, não conseguiram registrar durante a discussão.
Refletindo com base no vivido nas horas de encontro: “Percebi que num amigo ,de um modo que ainda não entendo, estão todos os homens, todos os limites”.
dos homens, e suas esperanças, e também seus medos e suas grandezas, e também suas sombras." Um momento muito especial do trabalho tem sido o de pensar sobre tudo o que estamos vivendo no grupo: percebem os limites, as potencialidades de cada um e, principalmente, que todos têm saberes que são importantes e precisam ser socializados para fortalecer o grupo.
Contribuições estamos levando, cada uma no seu limite: "Os sapatos na cômoda guardados: cheiro de caminhos andados, sombras de outros nem começados?" A cada dia de encontro, os educadores são convidados a socializar os novos conhecimentos aprendidos ou em processo de construção.
Avaliando sempre. Elegendo nossos descritores: "Na concha eu não ouço o mar." Durante todos os turnos de trabalho que antecedem as atividades de simulação, avaliamos sempre o nosso processo de grupo. Uma estratégia que tem sido muito interessante é a de construir um cronograma que garanta a participação de todos os educadores, para viverem o papel de escriba e de observador da sua caminhada.
Buscando auxílio na literatura: "O dicionário é um aquário onde todos os peixinhos estão sempre nadando..." Dúvidas, reflexões, desequilíbrios precisam de discussão para podermos avançar: então convido o grupo a trazer material bibliográfico, textos, livros, revistas, projetos e outros materiais que tratem das questões que estão incomodando a todos, ou a alguns deles, para que juntos possamos buscar subsídios para, se não solucionar, pelo menos amenizar dúvidas e conflitos.
Avaliando tudo, todos, sempre. Sem escapar à avaliação das aprendizagens pessoais. Abrimos a roda, nos olhamos, falamos sobre o que sentimos.
Procuro garantir a construção de um espaço permanente no Encontro, que proporcione a avaliação contínua das aprendizagens pelos próprios educadores, que não exclua a minha participação, não só como formadora, mas como parceira: para isto o vínculo precisa estar sendo tecido com afeto.
A avaliação também ocorre nos momentos de análise das estratégias metodológicas de formação que tiveram lugar no trabalho: é hora de relacioná-las com o desafio da formação de profissionais de fato reflexivos.
Aricélia Ribeiro do Nascimento
Minhas memórias de aluna... Pensando, neste momento, em minha trajetória de vida, fico emocionada e lembro-me daquela menina triste, quieta, que cursou desde a 1ª série até o Magistério em uma escola pública. Vejo-me chegando à escola, receosa, preocupada com os colegas que choravam pelo seu primeiro dia de aula.
Minhas lembranças da 1ª série foram um tanto quanto dolorosas... Eu, menina tímida, com 7 anos (nem tanto vividos ou percebidos como é possível às crianças de hoje), comecei estudando em uma escola lotada, com os alunos todos sentados. E a professora? A professora era brava, austera e o que me lembro mais era o "bendito" caderno de caligrafia, que teria que ser impecável...
Minha tristeza era grande pela demora em aprender a ler: comparava-me com os colegas que já liam e sentia-me diminuída por ainda não saber. […]
Andréia Cristina Barbosa Trentin
Para avaliar a atividade de memória, perguntei se eles tinham um caderno para registro. Eles disseram que receberam um bloco na pasta entregue pela Semed. Para estimulá-los a ter um caderno mostrei, então, o meu.
Pedi que anotassem, mesmo no bloco, as impressões, do que gostaram e do que não gostaram da atividade de apresentação. Solicitei que tentassem escrever para eles mesmos no futuro, lembrando o que foi ou não interessante, o que acrescentariam ou o que eliminariam da atividade. Pedi que, depois, um entregasse suas anotações para um colega ler e que ele anotasse uma apreciação.
No final das outras atividades do encontro, pedi que também anotassem o que consideravam necessário. Algumas vezes, essas anotações ficaram como tarefa para casa."
Antonia Terra
Ultimamente tenho também feito algumas reflexões por escrito e compartilhado com os educadores. Dessa forma, é possível comparar estilos de escrita e as escolhas em relação ao que registrar. Os grupos têm observado que, enquanto seus registros têm o formato de ata, o meu acaba relatando questões vivenciadas no trabalho, problemas surgidos, dúvidas que não foram resolvidas, sentimentos... conteúdos que muitas vezes acreditava não serem importantes para integrar os registros. Recentemente, um dos grupos que coordenei usou uma estratégia interessante: a pessoa que ficava encarregada de fazer o registro levava, além das suas anotações pessoais, também a de outros participantes para ter outras referências e também para verificar se certas questões não poderiam ter lhe passado despercebidas. O resultado foi muito bom.
Renata Violante
[…] Gostaria de dizer a todas vocês que a sensação de coordenar um grupo de educadores é muito boa, é ótima, desde que tenhamos segurança do que estamos fazendo.
Se o formador não tiver segurança de seu objetivo e sabedoria na condução das atividades, ele, com certeza, não propiciará um bom trabalho de formação.
É como Cristina falou: muda-se de início a nossa postura, para a partir daí podermos mudar ou instigar a mudança na postura do outro. E quando isso ocorre, a satisfação é muito grande.
Temos a convicção de que, com esse Encontro, não aprendemos tudo sobre o Programa Parâmetros em Ação, porém temos o compromisso, antes de tudo, com cada um de nós mesmos, para a inesgotável busca do aprender, do saber, do conhecer. Isso só depende mesmo de cada um de nós, que assumimos essa responsabilidade junto aos professores.
Desejo a todas nós muito sucesso. Que possamos realmente alcançar nossos objetivos enquanto formadores e que jamais esqueçamos o nosso verdadeiro compromisso.


Trecho de um registro no Caderno Volante, feito pela professora Nasaré Sampaio
31Todas as citações deste texto têm como fonte: Paulo Venturelli, Introdução à arte de ser menino, Editora Nova Didática.


Trechos de relatórios de educadores de creche

Nestes últimos seis anos, senti uma evolução rápida na coletividade da creche. Começamos a perceber que fazemos parte de um ciclo […], começamos a conhecer a importância da alfabetização, da matemática, da cozinheira, da lavadeira...Todos possuem o seu valor e quando todos começaram a perceber essa importância o trabalho deu um salto de qualidade e ganhou em compromisso.
Todos começamos a trocar experiências, dividir tarefas no dia-a-dia e realmente conhecer o porquê do trabalho e a sua importância. A busca nos livros, nas experiências de vida, nas discussões, na arte – e principalmente a liberdade de participação – fez com que o trabalho amadurecesse. As pessoas tinham o poder e o direito de fazer propostas, desde o trabalho da sala de aula até a organização do refeitório.
Essa oportunidade e esse direito de realmente exercer a atitude de cidadania você leva para toda a vida, você coloca em todos os momentos e isso te faz crescer enquanto ser humano.
A creche hoje se mostra com transparência aos olhos da comunidade e chama os pais e a sociedade para exercitar esse direito que eles possuem – direito de conhecer e de opinar.
O trabalho coletivo é árduo, é muito mais difícil. Brigamos por salários, material, espaços, opiniões, mas a discussão enriquece, te faz refletir, te leva à diversidade de idéias e a ter o compromisso de participar e transformar.
Se antes eu me sentia na margem de um riozinho, achando que ele não me levaria a nenhum lugar em especial, hoje me sinto em alto mar, pois a cada onda que passa novas informações vou tendo e crescendo como pessoa.Atingir a praia é difícil, mas não impossível e até lá serei outra pessoa, muito mais capaz!
Na creche, comecei a compreender e a valorizar a importância de saber e de trocar saberes.Tive a oportunidade de me aperfeiçoar em coisas que gosto muito e depois, a cada dia, eu me tornava mais independente em minhas pesquisas sobre língua escrita, artes, jogo dramático, literatura infantil...
Acho que o mais importante para mim é saber que o que aprendi não é apenas pedagógico, educacional, teórico... é um jeito de vida. Posso colocar em prática na minha casa, no trânsito ou num supermercado esse jeito particular de construir e transmitir o conhecimento. E posso aprender a me apropriar de tudo que vejo, não subestimando nenhum tipo de conhecimento.
Vejo o meu percurso como educadora de creche como um crescimento. Num primeiro momento, com o primeiro grupo de crianças, uma sensação de não vou dar conta... Em seguida, uma reestruturação de tudo, de pensamento, de crença na competência pessoal, na possibilidade de tomar posse.
A cada reunião eu acreditava mais no meu trabalho e no trabalho dos outros educadores; acreditava que juntos podíamos fazer mais, crescer mais e superar todas as dificuldades que iam aparecendo pelo caminho.A creche é um grande grupo de estudos onde os educadores aprendem a cada dia uma lição nova.
Se antes não conhecíamos o trabalho desenvolvido pelos colegas dos outros módulos, e com isto não tínhamos unidade na conduta, nem objetivos únicos de trabalho, hoje é tudo diferente. A participação é coletiva e o acesso é maior, pois muito foi investido para que o educador estivesse consciente do que está fazendo […] e é possível se colocar dentro das dificuldades. Trabalhamos num coletivo e valorizamos o trabalho do outro, podendo criticar, quando necessário, para o crescimento profissional do grupo.
Será que vai dar certo? Era a frase que mais se ouvia na creche e a resposta era sempre a mesma:Vamos tentar! Tentamos e percebemos o quanto nos ajudou ter outras pessoas para discutirmos as dificuldades e os avanços do grupo.
A formação em serviço é o que prende, envolve a maioria das pessoas na área da educação. O conhecimento construído a cada dia, não um conhecimento adquirido passivamente, mas que coloca questões, onde se discute!
Eu era e ainda sou uma aprendiz, que tem a oportunidade de expor o que pensa e de poder ouvir e trocar com os outros educadores, tão competentes como eu. Sinto ainda muito forte a angústia (saudável) de querer ser uma educadora que consiga, ao lado das crianças, construir e se sentir agente de sua história.
A creche ajudou muito na compreensão do perfil do educador.
A partir do momento em que soubemos o que éramos, ficou bem mais fácil. […] A partir daí, vieram as informações sobre projetos, alfabetização, artes plásticas, literatura... O próprio espaço creche foi tendo uma estrutura diferente, pois havia a preocupação com a formação do educador. […] Hoje chegamos em uma estrutura boa – mesmo assim, a todo momento, nos avaliamos para saber nossos erros e acertos. De 1989 a 1995 muita coisa mudou e, sem dúvida, a creche ajudou no percurso profissional de todos: só foi preciso saber o que somos para dar um salto maior. Embora tenha demorado um pouco, conseguimos aprender que podemos resolver as coisas.
Quando entrei na creche para trabalhar, em 1989, havia terminado o Magistério que, no meu olhar ingênuo, tinha sido o máximo: cheguei pensando que sabia tudo sobre educação infantil. Não era nem o início de um longo processo que agora percebo ser muito mais difícil e complexo do que eu podia imaginar. Foi e ainda está sendo um trilhar de trabalho muito vivo. Está lá para quem quiser se apropriar. Eu quis!
O crescimento do trabalho foi sendo grande e o interesse de se aprimorar era forte entre os educadores. Comigo aconteceu um choque e demorou para ser estabelecida uma forma de trabalho, embora o crescimento seja visível. Eu acredito que a estruturação e o acompanhamento dos funcionários é um crescimento e um privilégio, porque todos nós tivemos que ajudar nessas mudanças, dando idéias, interferindo.Tudo isso ajudou bastante o meu desenvolvimento.É importante as pessoas terem espaço onde coloquem suas idéias: na construção de um objetivo você se sente mais dona de todo o contexto.O crescimento se deu também através da responsabilidade de desenvolver algo que se ajudou a criar.Ver se realizar o que você pensa é muito gratificante!
Fomos criando uma sistemática de trabalho que vem permitindo nossa formação em serviço. Essa sistemática tem início com a nossa prática, que é refletida (através dos relatórios), discutida em reuniões com os outros educadores, estudada em textos que complementam, questionam ou ampliam a nossa visão sobre o assunto. Dessa forma, é possível uma compreensão mais ampla e,muitas vezes, nova sobre a nossa ação educacional. É nesse movimento que vamos nos formando enquanto educadores, pois a nossa prática passa a ter todo um entendimento e uma razão de existir.
Entendo como processo de formação de educadores as reuniões pedagógicas, a garantia de horários para relatórios, a atualização.
Considero essa organização como básica para a formação do educador e comprometida com uma proposta educacional de qualidade.
A partir de 1989 essa estrutura foi se consolidando na creche e permitindo cada vez mais um trabalho de qualidade. Planejar, analisar, atuar com segurança, refletir, reformular conteúdos, avaliar, reestruturar, definir objetivos, criar possíveis estratégias que permitam o sucesso do processo de ensino e aprendizagem, são procedimentos que nos permitem avançar profissionalmente. Assim, sinto-me em constante aprendizagem, construindo meu conhecimento profissional e melhorando minha prática como educadora de crianças de 0 a 6 anos de idade.
A meta que me coloquei com as crianças foi a de me tornar a cada dia menos necessária para a busca do conhecimento, trabalhando para que percebam que cada um pode ser pesquisador e conhecedor de coisas, coletivizando sempre. As metas que coloco para meus grupos de crianças, coloco para mim também: isso me move!
Hoje reconheço a criança como um agente histórico competente e que tem o direito de se apropriar das suas conquistas e das conquistas da Humanidade. E estou mais consciente de querer transformar, e não reproduzir. Aprendo muito lendo, convivendo com as crianças, com meus amigos educadores, apreciando e sendo crítica com as notícias do mundo e com a creche, que acreditou na minha competência e na dos outros educadores. Somos todos parceiros, alternando o lugar de mais experiente, dependendo da situação.
A palavra formação foi a chave.E posso dizer,hoje, que esse processo se deu em todos os níveis da creche: educadores, equipe técnica, apoio, cozinha, crianças e pais. Fomos nos alimentando uns nos outros,nos conquistando,e chegamos a um determinado ponto, que não é ainda o ideal, mas temos atualmente espaços que estão definitivamente abertos para o processo de diálogo e construção de um trabalho coletivo.
Fonte: MEC. Ministério da Educação. Programa de Formação de Professores Alfabetizadores - PROFA. Guia de Orientações Metodológicas Gerais. 2001. p. 131 a 141.