18 de maio de 2009

Discussão/debate simulado

As atividades de formação que envolvem discussão contribuem para que os educadores desenvolvam suas capacidades de expressar opiniões diante do grupo, conviver com diferentes pontos de vista, elaborar argumentações convincentes, aprender com o outro... Na verdade, há uma semelhança entre a escrita e a fala pública que vale a pena destacar: nos dois casos, para assumir o desafio de expressar o pensamento e as próprias opiniões, é preciso achar que o que se tem a dizer "vale a pena", que o que se tem a dizer pode se tornar público. Muitas pessoas permanecem silenciosas nos grupos e se recusam a escrever, por medo de se expor aos outros e de ser criticadas. Portanto, não basta o formador planejar boas situações de discussão do grupo, é preciso que ele de fato crie condições para que todos falem. Para isso, terá de estar atento às formas de participação dos educadores para poder fazer propostas e intervenções que contribuam para que se expressem cada vez mais e mais adequadamente. E terá de cuidar para não inibir a fala deles, seja falando muito ou se contrapondo sistematicamente aos que discordam de posições consideradas corretas por ele próprio ou pela maioria do grupo.
Além das discussões freqüentes sobre questões colocadas no grupo (pelo formador ou pelos próprios participantes), uma das atividades mais sedutoras de uso da fala e da capacidade de argumentação é o debate simulado de temas polêmicos, em que o grupo se divide em duas turmas que defendem posições contrárias – na verdade, trata-se de uma situação de simulação porque não necessariamente cada componente do grupo precisa concordar pessoalmente com a posição que defende. Nesse caso, é fundamental o planejamento prévio das intervenções, a antecipação dos prováveis argumentos dos oponentes e a organização de contra-argumentos convincentes: os educadores têm que se empenhar em organizar coletivamente a argumentação e colocar em cheque suas próprias posições em relação ao que está sendo polemizado. Ao formador, cabe orientá-los quanto aos procedimentos básicos para o bom resultado de uma atividade desse tipo: listar os possíveis argumentos do grupo adversário por escrito, elaborar os contra-argumentos (pesquisando e utilizando dados estatísticos e de pesquisa, quando for o caso),definir os argumentadores em função da capacidade que julgam ter para fazer uma defesa convincente etc.
Há inúmeras possibilidades de temas para um debate desse tipo nos grupos de formação, já que questões polêmicas é que não faltam na educação. Alguns deles: "Alfabetizar ou não na Educação Infantil?"; "Ciclo ou série?"; "Aprovar ou não alunos que erram na ortografia?".
"Trabalhar ou não fora da jornada regular?"; "Dar ou não aulas de Educação Física e Artes, sendo professor polivalente?" etc.
Abaixo, a descrição de duas atividades de debate simulado e de uma proposta de discussão a partir de um questionário de Verdadeiro ou Falso.

Um tema interessante para debate simulado tem sido a importância da Educação Física no currículo de 1ª- a 4ª- série. A situação é a seguinte: divide-se a turma em dois grupos para a preparação do debate, conforme as seguintes orientações:
• Os grupos defenderão posições contrárias: um a favor e um contra a garantia de espaço na programação semanal para as aulas de Educação Física no segmento de 1ª- a 4ª- série.
• Cada um dos grupos deve preparar a sua argumentação, tendo como critério fundamental a relevância e a utilidade das atividades e dos conteúdos para a formação do aluno – assim, um grupo defenderá a utilidade e a relevância dos conteúdos de Educação Física e o outro argumentará contra isso.
• Os aspectos a considerar são principalmente: o tempo disponível, a importância das demais áreas, o conhecimento do professor, a existência de materiais, a adequação do espaço físico, as condições gerais da escola, a disciplina dos alunos para a realização das atividades etc.
• O critério de participação em cada um dos grupos não depende da concordância "de verdade" com a posição que o grupo defenderá: a questão é reunir bons argumentos para a defesa da posição.
• O bom resultado dessa atividade depende de combinar "argumentos imbatíveis", para que o debate seja realmente polêmico e de bom nível.
A finalidade básica dessa atividade é colocar em questão o fato de que, muitas de 1ª- a 4ª- série mas não se garante espaço na programação para que essas atividades de fato aconteçam. E, para justificar isso, usa-se toda sorte de argumentos: a inexistência de material apropriado, a inadequação do espaço físico, o fato de as aulas de 5ª- a 8ª- série – quando as há, na escola – ocuparem a maior parte do horário, a não-previsão de professor especialista da área etc. Assim, é importante que o coordenador faça uma intervenção ao término do debate, colocando questões desse tipo e ressaltando que, quando acreditamos verdadeiramente que uma prática é fundamental, fazemos o possível para torná-la viável.
Caio Costa

Num dos grupos que coordenei, propus um debate sobre a questão "Alfabetizar ou não na Educação Infantil". Tanto o tema como a atividade em si despertaram grande interesse e todas acharam o resultado da discussão muito útil. Porém, o grupo que defendia uma posição contrária à alfabetização na Educação Infantil não conseguiu "entrar no jogo" e argumentar adequadamente– seus participantes alegaram que era difícil defender algo em que nãoacreditam mais. Foi necessária a minha intervenção para fazer avançar a discussão, incluindo-me no grupo que estava com dificuldade. Mas, na verdade, a partir de então, a atividade não foi mais a mesma... Embora o debate tenha se aquecido com a minha ajuda, o grupo cuja proposta era defender que não se deve alfabetizar na Educação Infantil não conseguiu realizar uma das tarefas mais importantes num debate desse tipo: preparar antecipadamente argumentos que dêem sustentação à posição que será defendida, mesmo que contrária a sua crença pessoal.
Nessa situação, reafirmei a minha certeza de que, como formadores, precisamos estar preparados para ajudar os grupos a se organizar para um debate, e que essa não é uma tarefa fácil, apesar de geralmente divertida. Para obter bons resultados, não basta propor uma boa atividade, precisamos antecipar como Vamos encaminhá-la."
Rosa Maria Antunes de Barros

Uma atividade mais rápida do que a situação de debate simulado (para casos em que o tempo não comporta uma atividade longa) é a discussão coletiva após o preenchimento individual de um questionário como o que se segue.
Entretanto, o "segredo" para que a discussão seja de fato produtiva é elaborar os enunciados de forma que as afirmações não sejam demasiado óbvias, porque senão os participantes do grupo acabam percebendo quais seriam "pedagogicamente corretas" e podem se posicionar em função disso, e não do que de fato acreditam.
Essa proposta tem se revelado muito interessante porque, tal como as situações de simulação, acaba pondo à prova o que de fato os educadores pensam sobre as questões propostas. E se nós, como formadores, conseguirmos fazer uma problematização respeitosa dos posicionamentos equivocados que geralmente aparecem, a discussão se torna muito produtiva e útil para eles.
A seguir, uma proposta desse tipo.
Rosa Maria Antunes de Barros

POSICIONE-SE INDIVIDUALMENTE EM RELAÇÃO ÀS AFIRMAÇÕES ABAIXO, ASSINALANDO VERDADEIRO OU FALSO, PARA POSTERIOR DISCUSSÃO NO GRUPO

(__) Não devemos gastar o precioso tempo da Educação Infantil com atividades de alfabetização porque além de se dispor de um tempo muito curto, não é função da Educação Infantil preparar as crianças para a 1ª- série.
(__) Queiramos ou não, a alfabetização é o desenvolvimento de capacidades relacionadas à percepção, à memorização e ao treino de um conjunto de habilidades sensório-motoras, tarefa que não compete à Educação Infantil, principalmente se tivermos uma concepção de que o mais importante, na verdade, é o letramento.
(__) É possível alfabetizar na Educação Infantil sem reproduzir o modelo de ensino tradicional utilizado no Ensino Fundamental.
(__) As escolas que realizam um trabalho de alfabetização na Educação Infantil privam as crianças de outras atividades mais importantes e apropriadas à faixa etária.
(__) As crianças que participam de atos significativos de leitura e escrita desde muito pequenas geralmente apresentam bastante desenvoltura para ler e escrever, antes mesmo dos 7 anos, o que, por si só, justifica a defesa de um trabalho sério de alfabetização na Educação Infantil.
(__) As crianças têm competência para aprender a ler e escrever antes dos 7 anos e podem, portanto, ser alfabetizadas naturalmente na Educação Infantil: isso não representa nenhum tipo de sofrimento para elas – ao contrário, é sempre uma grande alegria, para qualquer pessoa, aprender a ler. Além disso, toda criança tem direito a aprender o que é capaz de aprender: não ensiná-la é violar um direito seu.
(__) Para aprender a ler e escrever as crianças precisam construir um conhecimento de natureza conceitual: precisam compreender não só o que a escrita representa, mas de que forma ela representa graficamente a linguagem. Isso é algo que exige reflexão sobre as características e o funcionamento da escrita: quanto antes esse processo começar, tanto melhor para a aprendizagem das crianças.
(__) Como não é função da Educação Infantil alfabetizar, seria necessário instituir classes específicas de alfabetização para ensinar as crianças a ler e escrever.
(__) É prematuro o trabalho com alfabetização nas escolas públicas de Educação Infantil, mas não nas escolas particulares onde estudam crianças de classe média e alta: estas têm contato freqüente com a leitura e a escrita desde muito pequenas (pois suas famílias valorizam essas práticas), o que torna o processo muito natural para elas.
(__) Em praticamente todos os países do mundo, as crianças aprendem a ler aos 5 ou 6 anos, sem sacrifício, mas isto em geral não é possível no Brasil, uma vez que a maioria das famílias brasileiras não valoriza a leitura e a escrita e não incentiva as crianças a fazer uso dessas práticas.
(__) O fracasso escolar está quase todo assentado na demora dos alunos em aprender a ler e escrever no Ensino Fundamental, pois eles têm pouco repertório em relação ao uso da leitura e da escrita. Esse problema pode ser amenizado, e muito, se os professores acreditarem que é possível começar o trabalho de alfabetização na Educação Infantil.
(__) A idéia de que é necessário alfabetizar as crianças antes dos 7 anos é resultado de uma cultura utilitarista que precisa ser combatida – uma cultura de que é preciso ensinar coisas úteis às crianças, para facilitar o seu processo de adaptação às exigências sociais.

PROBLEMATIZAÇÃO

A problematização não é exatamente uma atividade, mas um procedimento metodológico do formador durante as atividades.
Ocorre, por exemplo, quando o formador "devolve" ao grupo as perguntas feitas, para que procure encontrar respostas; quando questiona colocações feitas pelos educadores, procurando fazê-los pensar nas concepções subjacentes; quando retoma uma discussão inicial para a qual não se deu fechamento ou informações conclusivas, para que o próprio grupo tente concluir com os recursos de que dispõe; quando enche o grupo de "Por quê?" para levá-los a pensar e não a esperar respostas prontas...
Nesse tipo de situação, a atitude do formador é fundamental por três razões principais. Em primeiro lugar porque, se queremos que os educadores expressem suas opiniões, temos que saber lidar com elas, especialmente quando são equivocadas, segundo o nosso ponto de vista: o respeito pessoal e intelectual por eles é condição para uma discussão fraterna que incentive todos a manifestar suas idéias, suas crenças, suas propostas.
Não é possível, ao mesmo tempo, pretender que as pessoas falem e "corrigi-las" publicamente quando elas o fazem, porque dessa forma elas com certeza deixarão de falar ou assumirão um papel de oposição.
Por outro lado,é preciso saber "dosar o nível de desafio". Se acreditamos que desafiador é aquilo que é difícil e possível ao mesmo tempo, temos que saber "o quanto o grupo agüenta" ser questionado e, para tanto, é imprescindível identificar e/ou inferir os conhecimentos prévios que possui sobre o assunto em pauta.
E, por fim, é importante não perder de vista que a problematização é um procedimento que rompe com o contrato didático clássico de um curso convencional, tal como os educadores geralmente estão habituados: em um curso apoiado no modelo tradicional de formação, o coordenador dá respostas, em vez de fazer perguntas – e quando pergunta é para avaliar o entendimento. Se o papel do formador não fica claro para os participantes do grupo, se o contrato didático não explicita a função das suas perguntas e das devolutivas que faz, sua intervenção pode ser mal interpretada e o resultado pode ser muito ruim.
Para problematizar as questões que surgem no grupo, o formador tem de gozar de credibilidade, ser respeitoso, cuidar da auto-estima dos educadores, falar do seu próprio processo de aprendizagem – para que eles percebam que ele também teve/tem seus equívocos e está sempre aprendendo – e ressaltar, sempre que possível, que o conhecimento é provisório e se transforma.

Quando o objetivo é problematizar, o que tenho feito é devolver as perguntas colocadas, para que os participantes do grupo procurem responder antes de mim, comprometendo-os com a real discussão do que está sendo abordado e evitando que fiquem numa atitude passiva, à espera das minhas respostas.
Tenho também problematizado as afirmações feitas por eles, para que enxerguem certas contradições que muitas vezes passam despercebidas – esse tem sido um momento muito rico do trabalho. Alguns educadores chegam a me dizer: "Você fundiu a minha cuca, não tenho mais certeza do que sei".
Em relação a respostas genéricas como "As crianças não são capazes de fazer essa atividade porque não têm conhecimento", questiono: "Que conhecimento?". E à resposta "Conhecimentos sobre a escrita", pergunto: "Quais? E assim por diante".
Quando a questão é o processo de aprendizagem dos alunos ou a didática da alfabetização, geralmente os educadores não sabem explicar muito bem as coisas, à medida que vamos solicitando maior precisão em suas afirmações.
Essa é uma das estratégias que eles dizem que eu utilizo muito.
Mas tão importante quanto a problematização é procurar, sempre que possível, resgatar cada aspecto discutido e fazer um fechamento para que as questões não fiquem em aberto. E, mais importante que tudo isso, é problematizar as questões colocadas pelo grupo de maneira respeitosa, e não com arrogância intelectual – atitude que nada tem a ver com a concepção de formação que defendemos.
Rosa Maria Antunes de Barros

A problematização a partir de questões colocadas pelos educadores foi uma estratégia muito valorizada neste grupo. Eles constantemente referiam-se ao fato de que eu mais devolvia suas perguntas do que as respondia. Entenderam essa conduta. Isso dá ao grupo um sentimento de que muitas respostas estão
com ele próprio e valoriza a construção coletiva do saber pedagógico. É como se o formador lhes dissesse: "Isso vocês podem responder. Pensem".
Além do que, essa conduta enfatiza o que propõe o Programa Parâmetros em Ação: não é preciso esperar "especialistas" que eventualmente aparecem para oferecer respostas prontas: é possível construí-las juntos.
Lília Campos Carvalho Rezende

Numa das discussões sobre cuidados pessoais e cuidados com a criança, percebi que algumas olocações feitas sobre as contribuições de Piaget estavam equivocadas. Refleti imediatamente sobre o seguinte: se fosse rebater o que estava sendo posto poderia acabar interferindo nas discussões posteriores, vindo a inibir o grupo. Continuei instigando a participação, para que os educadores pudessem expor as percepções que tinham sobre o assunto, esclarecendo que faria uma sistematização ao final. Pude perceber melhor o nível de conhecimento do grupo e a necessidade de mudar alguns encaminhamentos no trabalho. Dessa forma, ao final de cada atividade, passei a fazer uma síntese teórica sobre o assunto, estabelecendo um paralelo com as discussões realizadas. É importante frisar que nem sempre temos como devolver à turma uma pergunta, ou problematizar uma fala, pois isso depende muito das pessoas que ali estão. Além disso, uma característica imprescindível do formador é saber ouvir e aguardar o momento para poder dar uma devolutiva, tendo o cuidado para que as eventuais distorções possam ser esclarecidas de uma forma que não venha a prejudicar o vínculo de parceria necessário ao trabalho.
Maria Cristina Leandro Paiva

Esse grupo, como alguns outros com os quais já trabalhei, tinha um baixíssimo conhecimento prévio das questões relacionadas a todos os aspectos da alfabetização. Muitos eram coordenadores e diretores ligados ao trabalho de 5ª- a 8ª- , provavelmente por isso a dificuldade de compreensão fosse tão profunda. Eles esperavam na verdade um curso sobre os PCN, especialmente sobre alfabetização – os índices de não-alfabetização, segundo eles, beiram os 60% nas escolas da rede pública.
Na atividade de análise de escritas de alunos, foi preciso intervir durante todo o tempo, pois as distorções eram enormes, os grupos não chegavam a um consenso e a todo tempo solicitavam que eu simplesmente respondesse às questões. Tentei problematizar sem exigir demais do grupo, mas mesmo assim existia uma ansiedade enorme pela resposta adequada.
Esse grupo precisará de muito apoio para realizar o trabalho: a falta de informação e de familiaridade com as reflexões sobre a alfabetização certamente será um dificultador para o encaminhamento do Programa Parâmetros em Ação.
Rosângela Veliago

Devido à falta de tempo e à preocupação em deixar uma certa folga para a preparação das simulações, quis correr com a apresentação do programa de vídeo, mas uma educadora reivindicou que continuasse a apresentá-lo em etapas, pois as estratégias utilizadas e os assuntos tratados estavam interessantes.
Às vezes nos precipitamos em função do pouco tempo, ou por querer transmitir muita informação, querer dar aula expositiva sobre conteúdos importantes,sem deixar que os participantes do grupo reflitam de forma adequada. Essa mesma questão apareceu na avaliação final das simulações, onde os grupos,também por falta de tempo, atropelaram o trabalho, não se dedicando a explicitar adequadamente as estratégias metodológicas de formação.
Roberta Panico

Segui a pauta proposta para o Encontro do Parâmetros em Ação conforme o combinado, mas logo que assistimos ao programa A Construção da Escrita, notei que o grupo ficou muito desestruturado. Fiz todas as pausas propostas e tentei explorar o máximo de cada situação, apenas problematizando, sem oferecer informação. Havia um incômodo visível, que não foi suficiente para me fazer perceber que, nesse momento, o grupo estava mais ansioso por respostas do que por questionamentos. O programa tornou-se longo, mas suportável.
Quando chegamos na atividade em que a tarefa é analisar a adequação de uma situação de leitura para um grupo de crianças não-alfabetizadas, o grupo"travou". Os participantes solicitavam o tempo todo que eu desse a resposta para as questões discutidas... E eu querendo problematizar e trazer novos elementos para a discussão! No momento em que pararam de falar, me "caiu a ficha" do quanto estava difícil para eles pensarem exaustivamente sobre as questões propostas, sem informações que os ajudassem a construir um repertório de conhecimentos que pudessem utilizar na discussão.
Depois, conversando com a Bia Gouveia e com a Regina Cabral, percebi o quanto fui afoita nessa seqüência de atividades. Regina colocou que, quando os educadores não têm muita informação sobre as questões da alfabetização, é necessário encaminhar a pauta de forma a deixar as problematizações mais para o final, pois assim terão ampliado seu próprio repertório e poderão participar melhor da discussão.
Renata Violante

A professora havia se destacado com posições bastante pertinentes em relação à alfabetização, questionando muitas colocações distorcidas do grupo. No momento da discussão sobre a possibilidade ou não dos alunos não-alfabetizados realizarem a atividade de leitura de uma poesia que sabiam de cor, enquanto todo o grupo dizia que não (pois os alunos não-alfabetizados não conhecem todas as letras e, portanto, não podem ler) ela afirmava que sim e questionou o grupo "Como então vocês apresentam as letras dentro da sala de aula, se não desta forma, nos textos?". Responderam que apresentavam as letras por meio das sílabas, das palavras. Ela resgatou as colocações feitas nas discussões anteriores, quando todos demonstravam concordar com afirmações muito diferentes das que faziam agora, dizendo que o nosso discurso avançou, mas nossas práticas ainda estão centradas nas décadas de 30, 40 e 50. O grupo se desequilibrou, tentando achar respostas...
É muito interessante notar, no momento das discussões teóricas sobre o processo de ensino e aprendizagem e sobre o conceito de alfabetização, o quanto as colocações dos educadores são avançadas, pautadas na idéia de construção do conhecimento e de considerar os conhecimentos prévios dos alunos. Já nas discussões sobre as práticas de sala de aula, geralmente apresentam propostas tradicionais, nas quais o papel do aluno é copiar, repetir, decorar conteúdos explicados e demonstrados pelo professor... Quando um membro do grupo questiona essa contradição, a reflexão se enriquece, pois se trata de um parceiro problematizando a atuação dos outros em relação a conhecimentos que haviam demonstrado ter e depois não fazem uso.
Roberta Panico
Aula

Como dissemos anteriormente, o modelo tradicional de formação é basicamente teórico, acadêmico e transmissivo, desconsidera os "pontos de partida" dos educadores e a prática pedagógica como importante fonte de conteúdos da formação, é centrado no texto escrito e prioriza modalidades convencionais de comunicação (como aula expositiva, seminário, palestra e curso).
Entretanto, isso não significa que um modelo de formação apoiado em metodologias de resolução de problemas não tenha lugar para as modalidades convencionais de comunicação, em que, por exemplo, o formador dá aula. A aula tem sua função, é necessária, mas não é a principal estratégia do trabalho: faz sentido quando o formador identifica a necessidade de aprofundar um determinado conteúdo e, para isso, é preciso que tenha claro o nível de conhecimento do grupo – só assim saberá quando é hora de uma aula.
Um recurso interessante, nesse caso, é o formador convidar profissionais que possam tratar de assuntos que ele não domina muito bem, o que permite que tanto o grupo quanto ele próprio aprendam com o convidado.
No entanto, o fato da aula ser uma modalidade de comunicação basicamente expositiva não significa que nesse caso não haja lugar para a fala do grupo: é possível (e necessário) partir dos seus conhecimentos prévios e levá-los em conta o tempo todo.

Se o objetivo é mudar o modelo tradicional de formação, nós, formadores,teremos de superar a "compulsão por dar aula" para os educadores o tempo todo – de vez em quando certamente teremos que dar uma "aulinha", mas apenas de vez em quando... E em relação a isso, é importante considerar que aula não coincide necessariamente com o uso de um discurso meramente expositivo: há aulas dialogadas, problematizadoras, que convidam o grupo a pensar junto, em vez de simplesmente consumir informações. São estas que temos de exercitar, se realmente quisermos transformar o modelo de formação.
Rosaura Soligo

Precisamos, enquanto formadores, ser menos diretivos, deixar os próprios participantes dos grupos formularem soluções... Essa questão tem a ver com a equação tempo disponível/conteúdos que se pretende tratar. Creio que é preciso estar alerta: se os educadores não ocupam a maior parte do discurso, estaremos, na prática, desfazendo o que dissemos que devem fazer. Ou seja, para ser modelo, temos de ser menos ansiosos, seja com a quantidade, seja com a qualidade das formulações dos nossos interlocutores.
Artur Gomes de Moraes
Fonte: MEC. Ministério da Educação. Programa de Formação de Professores Alfabetizadores - PROFA. Guia de Orientações Metodológicas Gerais. 2001. p. 142 a 150.