2 de junho de 2009

Simulação

As atividades de simulação são situações propostas aos participantes de um grupo de formação para que se coloquem "no lugar do outro", experimentem "o papel do outro" – num grupo de educadores, o "outro" pode ser o aluno, o professor, o formador ou demais atores do processo educativo. São atividades privilegiadas de formação, porque põem em jogo o conhecimento e as representações que de fato o profissional possui ao ter de realizar uma dada tarefa, ou resolver um determinado problema,e não a sua capacidade de verbalizar o que sabe sobre objetivos, concepções de base e princípios teóricos gerais.
As simulações demandam uso (aplicação) dos conhecimentos disponíveis, e não uso de habilidades verbais para organizar o discurso teórico.
Não se trata de dinâmica de grupo, nem de dramatização no sentido mais convencional: a simulação é uma situação-problema que, conforme sugere Ana Teberosky32, constitui ao mesmo tempo uma possibilidade de pôr à prova os conhecimentos disponíveis e aprender sobre a mente e o comportamento daquele que se procura imitar para resolver a tarefa proposta.
Nessa perspectiva, a simulação é uma situação de avaliação para o formador que observa o desempenho dos profissionais que realizam a atividade, e de aprendizagem para estes. Quando se trata de simular o papel de coordenador de grupo, sob a supervisão do formador que de fato coordena os trabalhos, a atividade demanda planejamento prévio e avaliação final: também esses momentos de preparação e análise a posteriori constituem possibilidades de aprendizagem e avaliação, tanto para o formador como para os participantes do grupo.
No trabalho de formação, há uma série de possibilidades de simulação.
Seguem abaixo alguns exemplos que demandam procedimentos cuja realização requer a utilização de saberes teóricos e experienciais e a explicitação das reais crenças dos educadores sobre processos de aprendizagem, conteúdos do ensino e conteúdos e metodologias de formação de professores:

• Resolução de tarefas específicas para diferentes idades/séries – desenhar uma figura humana como uma criança de 3 anos; explicar o fenômeno dia-noite como uma criança de 7 ou 8 anos; fazer uma adição no papel como um adulto que calcula bem "de cabeça" e não sabe a técnica operatória etc.
• Produção de textos escritos para diferentes idades/séries – escrever uma lista de brinquedos ditada como uma criança de 5 anos; escrever o "Parabéns a você" como uma criança de 7 anos que acabou de entrar na escola; escrever o conto....... como um aluno de 2ª - série; escrever palavras ditadas como alunos de 4ª -série (cometendo seus erros mais freqüentes); escrever uma carta à família como um adulto recém-alfabetizado etc.

32 Idem.Ana Teberosky, Aprendendo a escrever, Editora Ática, cuja leitura se recomenda para maior aprofundamento sobre situações de simulação na formação de professores.

• Realização de uma dada atividade considerando um contexto específico – fazer anotações no texto abaixo (indicar um exemplo) como um professor inexperiente que deseja ajudar o autor a escrever melhor; explicar a um professor inexperiente como intervir no texto abaixo (indicar um exemplo), como se fosse o coordenador pedagógico da sua escola; analisar por escrito o planejamento da atividade abaixo (indicar um exemplo) como um coordenador pedagógico competente; encaminhar a seguinte atividade (indicar um exemplo) como um formador que defende metodologias apoiadas na resolução de situações-problema; orientar o planejamento da seguinte atividade de formação (indicar um exemplo) como um formador de coordenadores de grupo que se pretende um parceiro experiente etc.
• Imitação de sujeitos concretos – fazer...... (especificar o quê) como fulano faria; como fulano faria na seguinte situação (indicar um exemplo); como fulano faria se/quando... (especificar a circunstância ou a restrição) etc. Algumas possibilidades: "Explicar como a autora... analisaria o resultado dessa atividade de sala de aula (indicar um exemplo)"; "Fazer um comentário de avaliação da reunião de hoje como a coordenadora do nosso grupo"; "Escrever o seguinte texto (indicar qual) como o aluno (indicar qual) que acabamos de ver no programa de vídeo" etc.
Comentando especialmente a simulação do "lugar" de aluno, Ana Teberosky33 defende que:

Além de estimular a observação, esses tipos de exercício ajudam a reconstruir o trabalho efetuado pelo outro, o que constitui uma prova de adequação de nossa representação ou teoria sobre os conhecimentos dos alunos. A representação dos professores sobre os conhecimentos que os alunos possuem, ou não, exerce poderosa influência sobre sua prática pedagógica. […] Quando dizemos "representação", estamos utilizando o sentido da Psicologia Cognitiva […] que equivale à representação mental. Para imitar o comportamento do outro, é preciso ter uma representação mental desse comportamento, isto é, um conjunto de idéias mais ou menos confirmáveis, e com um grau variável de generalidade e precisão. Significa ter uma espécie de teoria atribuível ao outro.
Os depoimentos que se seguem tratam basicamente de dois tipos de simulação, ambos realizados no interior do Programa Parâmetros em Ação.34
No primeiro caso, a situação é de exercitar o papel de coordenador de um grupo de futuros formadores sob a supervisão de um formador experiente. As atividades são/podem ser de diferentes áreas do conhecimento, pois o que importa é o exercício do papel de coordenador de grupo, que é anteriormente planejado e posteriormente avaliado, sob a orientação do formador. Todos os relatos, exceto o último, referem-se a esse tipo de simulação.
No segundo caso, tratado no último relato, a situação é de exercitar o papel de um professor que tem uma situação-problema a resolver – a análise da pertinência de uma atividade didática a um grupo específico de alunos. A situação é basicamente a seguinte:em pequenos grupos, analisar produções de alguns alunos, identificar os conhecimentos que revelam em suas produções, discutir aspectos do processo de aprendizagem e avaliar a adequação ou não de uma dada atividade ao grupo de alunos cujas escritas foram analisadas, justificando o posicionamento a respeito.

33 Idem, ibidem
34 As duas experiências relatadas ocorrem na chamada Fase 1 do Programa Parâmetros em Ação: um Encontro de quatro dias, cuja finalidade é apresentar a proposta do Programa em seu conjunto e possibilitar aos participantes o contato com o modelo metodológico previsto.

O momento das simulações é sempre o mais difícil e talvez o mais significativo para participantes do Encontro. Geralmente ficam bastante apreensivos; é como se só então começassem a se dar conta do papel de um coordenador de grupo. É uma angústia compreensível, sempre acontece. Por conta disto, tenho dedicado um tempo maior para a avaliação após cada simulação – nesses momentos sempre surgem questões importantes. Acho interessante também garantir um tempo para cada grupo se colocar em relação a como se sentiu planejando e encaminhando a atividade. Vale a pena se deter um pouco aí, pois é onde muito do que o grupo pensa fica explicitado e questões de grande relevância podem vir à tona.
Algumas pessoas passam o Encontro pensando estar absolutamente preparadas para assumir a função de formador, de coordenador de grupo. Estas são as que mais se sentem balançadas com as atividades supervisionadas. Geralmente se deparam com imprevistos, se dão conta de que não é tão simples, e o que é mais complicado: percebem a precariedade da própria formação, que para desenvolver esse trabalho é preciso ir além de conhecer conceitos. Nesse grupo, as simulações referentes ao módulo de Educação Física e ao de Alfabetização foram muito bem-sucedidas. Os grupos planejaram com cuidado e, ao final, conseguiram explicitar o objetivo da atividade. A de Artes não funcionou bem, o que acabou sendo uma surpresa para o grupo, que se julgava mais preparado. A pessoa que encaminhou a atividade antecipava muito, não deixava o grupo se colocar, pontuava tudo. Na avaliação, um componente do grupo colocou: "Passamos quatro dias falando sobre mudar o modelo de formação, que a idéia não é dar aulas, dar respostas prontas, e no momento de simular conseguimos esquecer o mais importante..." É de colocações como esta que surgem as melhores e mais significativas discussões.
Fernanda Leturiondo Parente

Sem dúvida, a simulação é uma estratégia que os educadores com os quais trabalhamos no Parâmetros em Ação gostam muito. Mas a impressão que tenho é que gostam mais quando se colocam no papel de professor do que quando o desafio é se colocar no próprio papel de formador. Essa resistência vai diminuindo conforme se familiarizam com a tarefa proposta.
A preparação das atividades de simulação (quando os educadores assumem o papel de coordenadores do grupo) é um momento privilegiado para a discussão de procedimentos e atitudes adequados a um formador, tanto no planejamento e encaminhamento da atividade proposta como das atividades de formação de um modo geral. Nesse momento, eles descobrem o quanto podem aprender...
Mas não são só eles que aprendem numa situação como essa – eu também aprendo sempre. Aprendi, por exemplo, que montar adequadamente os subgrupos que vão se responsabilizar pelas simulações é algo que depende de observar atentamente o desempenho e o nível de conhecimento revelado pelos educadores durante os trabalhos: só assim é possível formar grupos heterogêneos e favorecer a troca. As atividades têm sido pouco produtivas quando os subgrupos são homogêneos e têm pouca informação sobre o conteúdo da atividade e pouca experiência como formadores.
Rosa Maria Antunes de Barros

Essa simulação foi a mais fraca em termos de apresentação, pois a pessoa que coordenava não havia participado com afinco das discussões do grupo e não dominava a própria estrutura da atividade proposta. Foi o segundo grupo a se apresentar. Em compensação, a discussão metodológica e do próprio tema foi das mais preciosas. Isto porque a própria coordenadora percebeu e disse que estava conduzindo a atividade sem conhecê-la de fato, porque não tinha participado das discussões do grupo. Isto fez com que todos se colocassem, ela inclusive, o que não a deixou numa situação embaraçosa.
Viviane Canecchio Ferreirinho

Alguns grupos têm dificuldade de entender qual o sentido das atividades de simulação e acabam expondo a atividade, em vez de desenvolvê-la, apenas indicando um roteiro e o que seria útil para encaminhar a atividade. Essa é uma boa oportunidade para diferenciar o que é falar "sobre" uma prática e desenvolver uma prática que abre espaço para a reflexão coletiva.
Cecília Condeixa

Um dos momentos da proposta de atividades consistia na simulação de uma situação em que um dos participantes seria o "formador" e o grupo representaria os professores.
Foi um momento significativo. O módulo era de Artes. A "formadora" tinha como objetivo a exploração da tela Guernica, de Picasso, e como referencial de apoio teórico ao seu trabalho um texto sobre a tela.
A priori, considerei que esse tema não fosse ser relevante para o grupo, nem suscitar discussões. Mas o encaminhamento dado à atividade pela formadora durante a simulação permitiu que fosse um momento de muita reflexão.
Ela iniciou seu trabalho registrando na lousa a pauta que desenvolveria. Logo após, fez a leitura do texto sobre Guernica e deixou para o final a exploração da tela.
Ao planejar a simulação, a formadora não considerou a necessidade de uma ação reflexiva do grupo. Transformou um momento que deveria ser de discussões em uma aula expositiva. Passou todas as informações que detinha sobre a tela, não problematizando em momento algum.
Porém, durante o próprio decorrer da atividade, quando chegou o momento de trazer para o grupo as questões referentes à exploração da tela, verificou que sua estratégia não estava coerente com a linha de trabalho proposta durante as atividades da semana. A própria formadora tomou consciência de seu erro: "Fiz tudo errado. Já falei para vocês tudo o que deveria ser apreciado na tela. Vou começar tudo de novo."
Minha opção de não interferir durante a simulação, mesmo diante do desejo de fazê-lo, permitiu essa reflexão, que foi fundamental para o redirecionamento do trabalho.
Tânia M. S. Rios Leite

Enfrentamos muitos problemas nesse Encontro, pois todos os professores da rede municipal foram convocados a participar, mas logo se deram conta de que não seriam todos a desenvolver o trabalho de coordenadores de grupo.
Isto bastou para que as atividades fossem transformadas em momentos de comadres contarem seus "causos" em conversas paralelas durante as discussões e ao apresentarmos os programas de vídeo. A todo instante, era necessário pedir silêncio e respeito para com os colegas que tentavam dizer algo.
Durante as simulações, pudemos retomar essa questão, quando as pessoas que coordenaram as atividades começaram a ter a mesma dificuldade que eu havia tido até então. Na avaliação final, o grupo colocou que essas atitudes foram bastante negativas e prejudicaram os trabalhos.
Viviane Canecchio Ferreirinho

O grupo responsável pela simulação da atividade de Arte quis introduzir uma nova atividade para "motivar" os professores, antes do trabalho com o quadro de Picasso. A idéia que os coordenadores tiveram foi pedir para os participantes desenharem livremente, depois fixarem os desenhos na lousa e contarem o que desenharam. Depois, apresentariam e conversariam sobre desenhos e pinturas de um pintor local. Assim, depois de motivados, eles realizariam a atividade do módulo.
Quando cheguei, estava já tudo acertado. Mas expliquei que não existia tempo para essa atividade de "motivação", que ela era desnecessária e que eles precisavam enfrentar uma situação nova, entendendo o que estava proposto no módulo. O grupo ficou bravo comigo, dizendo que eu era pouco democrática, que eu não estava dando espaço para eles serem criativos. Eu contra-argumentei com a justificativa que aprendi com a Rosângela: aquela era uma situação de aprendizagem e se para o grupo era fácil fazer aquela atividade "motivadora", então ela não servia, porque o importante era aprender com uma situação nova, na qual eles, professores, sentissem dificuldade. Relutantes, no final, aceitaram iniciar a atividade com a projeção da gravura de Picasso.
Antonia Terra

Algumas estratégias metodológicas que utilizam como recurso dramatização, expressão corporal, estética, desenho e escrita têm revelado muito aquilo que não é mobilizado na aprendizagem dos professores no seu processo de formação.
Tenho procurado discutir com eles a razão disso. Procuro historicizar esse fato, para não ficar nas aptidões de cada um. Há uma compreensão generalizada de que as metodologias dependem dessas aptidões inatas e que não é todo mundo que pode aprender. Num dos últimos grupos que coordenei, li a biografia do Ronaldinho (jogador de futebol) que, quando entrevistado sobre o fato de ter sido considerado o jogador número 1 do mundo, diz que ele trabalhou muito para isso e esperava, sim, chegar a esse título. A jornalista que o entrevistou comenta que as pessoas podem ser o que são não por aptidão, mas por decisão. Para aquele grupo foi interessante discutir isso quando se trata da profissão de professor. Fizemos uma rica discussão sobre ser bom professor por aptidão, e ser bom professor por decisão.
Sueli Furlan

As atividades de simulação, em que os participantes dos grupos precisam se colocar no lugar de professores que têm uma situação-problema a resolver, geralmente são muito bem aceitas por todos os educadores. Essa estratégia tem sido valiosa, porque por meio dela se evidencia o real conhecimento que eles têm dos conteúdos colocados em jogo pela situação proposta.
Quando se trata de uma simulação em que a tarefa é analisar produções escritas de alunos não-alfabetizados – e posteriormente a adequação de uma determinada atividade de alfabetização considerando o nível de conhecimento desses alunos –, a situação é reveladora das concepções dos educadores.
Nesse caso, um dos principais conteúdos em jogo na tarefa são as hipóteses de escrita, sobre as quais há diferentes níveis de conhecimento em todos os grupos que já coordenei – mas poucos educadores com domínio real da questão. Alguns já ouviram falar, mas não têm clareza do que sejam as hipóteses de escrita. Outros usam os termos "hipótese pré-silábica", "hipótese silábica"
etc. mas, ao serem desafiados a colocar em uso esse tipo de conhecimento, não sabem de fato o que caracteriza cada hipótese, e o que isso tem a ver com o planejamento de atividades de alfabetização. Outros nunca consideraram o que os alunos pensam sobre a escrita como uma variável importante para o planejamento do ensino. E, infelizmente, apenas uma minoria de educadores tem um domínio real sobre esse conteúdo, considera-o útil para a organização das atividades de alfabetização, e sabe fazer uso apropriado dele.
Quer dizer, o fato de há mais de quinze anos se falar desse assunto no país não foi suficiente ainda para que os educadores pudessem compreender adequadamente o que isso significa, sua importância e sua utilidade para o planejamento do trabalho pedagógico de alfabetização. Penso que isso não revela uma limitação dos educadores, mas talvez uma inadequação do tratamento que se deu a esse conteúdo nas práticas de formação.
Essa constatação, inevitavelmente, faz com que nós, formadores, tenhamos de nos deter um pouco mais na discussão sobre o que são as hipóteses de escrita e para que serve esse conhecimento do ponto de vista didático. E nos desafia a usar estratégias metodológicas eficientes, que favoreçam uma real apropriação desse conteúdo pelos educadores. Nesse sentido, as atividades de simulação têm sido a melhor opção encontrada, pois demandam o uso do real conhecimento que se tem, e não o discurso sobre o assunto. A combinação da análise de escritas não-convencionais produzidas por diferentes alunos e da adequação (ou não) de uma atividade de alfabetização para eles tem sido uma situação-problema extremamente eficaz porque, quando sabemos fazer intervenções pertinentes, revela aos educadores o real nível de conhecimento que possuem e as questões que precisam ainda aprender a respeito.
Rosa Maria Antunes de Barros

Sistematização

Quando temos uma concepção de ensino e aprendizagem que pressupõe um sujeito que constrói conhecimento, não podemos ter a prepotência de pretender sistematizar o que ele aprende, pois quem sistematiza o conhecimento é o próprio sujeito que aprende. Entretanto, há formas de contribuir para que um volume grande de informação nova não fique solto, sem ter ainda onde se "encaixar", até que as coisas se acomodem "naturalmente". O que hoje sabemos sobre o processo de construção de conhecimento e a análise do nosso próprio percurso de aprendizagem nos dão pistas sobre o que pode ajudar um educador a relacionar certos conteúdos, não justapor informações de forma contraditória, organizar os saberes construídos, fazer generalizações e sistematizar o seu conhecimento.
É preciso que o trabalho de formação garanta momentos para sistematizações que certamente não terão como resultado uma uniformidade no nível de conhecimento de todos os participantes de um grupo – o que é absolutamente impossível – mas contribuirão para que cada um organize o que está aprendendo segundo seus próprios recursos e possibilidades. A apresentação de sínteses conclusivas, a sistematização escrita de falas, opiniões, argumentos, conclusões e propostas (em listas, esquemas e tabelas ou textos de outro gênero) são estratégias importantes nesse sentido. Também a explicitação dos referenciais teóricos que sustentam uma determinada abordagem é um recurso que ajuda o indivíduo a relacionar o que está sendo tratado com outros conteúdos que conhece, leu ou já ouviu falar.
O que a prática de formação tem mostrado é que não basta indicar possibilidades aos educadores,é preciso explicitar "o que as possiblidades não são", pois a natureza do trabalho educativo implica operar com representações muito arraigadas,que não se transformam de uma hora para outra.Quando discutimos também quais não são os caminhos, contribuímos para que o sujeito estabeleça relações mais rapidamente (ou pelo menos se coloque questões para pensar) do que se deixarmos chegar às suas próprias conclusões no seu próprio ritmo.
Quando, na década de 80, comecei a estudar a psicogênese da língua escrita, uma das questões que mais me intrigaram foi a hipótese das crianças de que não se poderia ler menos de três letras (em média). Achei isso interessantíssimo e fui investigar com meus alunos do ciclo básico: confirmaram o que eu havia lido, pois quase todos me disseram que duas letras não dava para ler, uma então...
nem pensar! De vez em quando eu pensava no quanto era incrível e real essa idéia e me indagava porque nós, professores, não perguntamos mais aos alunos o que eles pensam: poderíamos aprender muito sobre a aprendizagem com o simples ato de perguntar.
Desde que comecei a alfabetizar, eu trabalhava com o que se convencionou chamar na época de Método Paulo Freire: procurando garantir um contexto de aprendizagem significativa, utilizava palavras do universo dos alunos, fazia todo um trabalho de discussão sobre o sentido que elas tinham para eles e assim por diante. Depois disso, partia a palavra em sílabas e propunha que eles formassem outras tantas palavras com as mesmas sílabas, criávamos textos com elas, relacionávamos com outras aprendidas anteriormente.
Numa das reuniões do meu grupo de formação, nesse tempo em que eu estava absolutamente encantada com as hipóteses das crianças, me "caiu uma ficha" que, na verdade, teve o efeito de uma avalanche: de repente, me dei conta de que eu alfabetizava com sílabas simples (compostas, portanto, de duas letras), exatamente aquilo que as crianças acreditam que não se pode ler! Portanto, eu tentava ensinar a ler usando com meus alunos aquilo que, conforme eu mesma havia constatado, eles duvidavam que se pudesse ler. Fiquei me achando uma pessoa intelectualmente limitada, que não conseguia relacionar o que lia no livro (e concordava!) com o que fazia na sala de aula. Lembro-me que não prestei mais atenção em nada do que se discutiu até o fim dos trabalhos do grupo, pois eu estava tomada pela idéia de que não enxergava o óbvio, que tinha algum problema com a minha capacidade de relacionar as coisas que aprendia com aquilo que eu fazia. Foi um dos momentos mais duros da minha vida profissional. Eu calculava o período de tempo entre o dia que tinha tomado contato com o assunto pela primeira vez e o dia em que me dei conta da contradição e constatava que, durante quase um mês, ficara fazendo algo contrário ao que eu mesma acreditava – isso era para mim insuportável, pois o descompasso entre o discurso e a ação sempre foi um "pecado ideológico".
Creio que, também por causa dessa minha experiência pessoal, me tornei uma formadora respeitosa com o processo de aprendizagem dos professores, afinal, eu havia descoberto "na pele" que saber algo não significa poder fazer uso imediato desse saber na prática. Essa contradição no meu trabalho de professora foi extremamente formativa para mim: entre muitas outras lições, aprendi que é preciso ajudar os professores a não cometerem muitos equívocos desse tipo.
Como? Explicitando que eles são possíveis de acontecer o tempo todo, discutindo as implicações pedagógicas do que se aborda teoricamente no grupo, mostrando não só "por onde é", mas também "por onde não é", e falando de nossos próprios equívocos. Isso tem muito mais valor e produz resultados muito melhores do que uma aula sobre o processo de construção do conhecimento e a provisoriedade dos saberes construídos.
Rosaura Soligo

Diz Cesar Coll que "no trabalho de formação, é necessário considerar que é preciso dar ao professor instrumentos de análise para que entenda o que faz, por que o faz e os resultados a que chega". Isso tem sido para mim um princípio.
Num trabalho que desenvolvi com os coordenadores de grupo de formação de professores, percebi que a interação com um universo amplo de informações colocava muitas dúvidas para eles e que uma estrutura para organizá-lo poderia ser útil à compreensão dos conteúdos, assim como da forma como poderiam desenvolvê-los com os professores nos diferentes municípios ali representados.
Indiquei para o grupo que a função do formador é instrumentalizar os professores para que entendam o que fazem, por que fazem e os resultados a que chegam.
Um bom instrumento para organizar as informações em função desse entendimento é representado pelas sínteses ao final das discussões. Elas podem ser estruturadas em forma de textos informativos, de uma lista de tópicos dos aspectos mais relevantes, de um esquema que ajude a entender a trama de relações entre as informações trabalhadas etc.
Ao sintetizar, além de organizar as informações, também criamos um esquema que auxilia a compreensão do assunto que está sendo estudado. Muitas vezes, a síntese ajuda a compreender algum aspecto que ficou obscuro na ocasião da explicação ou da discussão.
Durante o trabalho de formação, tive a preocupação de indicar para o grupo, em que partes do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil se localizavam os temas que estávamos estudando e, no momento da síntese, anotei ao lado dos conteúdos o capítulo que poderiam consultar para obter mais informações, ampliando assim as suas possibilidades de estudo.
Durante os quatro dias de trabalho, tivemos oito sínteses: uma ao final de cada período, porque a pauta assim o permitia – foram planejados blocos de conteúdo, com uma seqüência de atividade que se finalizava em cada período, ao mesmo tempo que se articulava com o bloco seguinte.
Ao término dos trabalhos, os coordenadores de grupo tinham disponíveis em seus Cadernos de Registro, várias sínteses que lhes permitiam retomar brevemente os temam desenvolvidos.
É importante considerar que as formas de fazer sínteses podem ser diversas, que o formador deve mostrar, para servir como referência, algumas maneiras de elaborá-las, mas é fundamental que os coordenadores de grupo – e também os professores – possam organizar as suas próprias sínteses, pois elas têm algo de pessoal, particular, decorrente do estilo de cada um. Na verdade, uma síntese pode ser entendida como uma composição, uma forma de reunir elementos sobre um determinado tema. E quando a finalidade é o estudo, a reflexão, é necessário que todos tenham a experiência de elaborar as composições que lhes possam ser mais úteis e significativas.
Rosana Dutoit

O registro que fazemos como formadores, em quadros, esquemas, listas ou tabelas das idéias ou respostas que os participantes dos grupos de formação colocam sobre uma determinada questão, é um procedimento que eles têm considerado fundamental. Depois desse tipo de registro, procuro mostrar as contradições, devolvê-las ao grupo para que sejam repensadas, e no final, faço uma síntese conclusiva. Essa é uma forma de ajudar os educadores a organizar as informações que possuem e os conhecimentos construídos coletivamente.
Rosa Maria Antunes de Barros

A síntese tem sido um valioso instrumento de formação, tanto para a equipe responsável em escrevê-la, como para o restante do grupo, que deve analisá-la criticamente (é assim que fazemos). Hoje, o grupo já pode comparar suas produções iniciais com as atuais de forma reflexiva, apontando seus próprios avanços. Dessa forma, arrisco-me a dizer que, entre tantas aprendizagens que esse tipo de síntese pôde desencadear, uma das mais importantes é que acabou contribuindo também para o desenvolvimento da autonomia do grupo.
Débora Rana

A retomada do trabalho a partir da leitura do registro do dia anterior é um recurso muito útil, pois além de organizar o que já realizamos no grupo nos remete sempre à continuidade do trabalho. Nesse momento é possível solicitar que os participantes respondam algumas questões, ou escrevam lembretes que julguem importantes nos seus cadernos pessoais de registro. Por exemplo: Quais as principais dúvidas que ainda tenho? O que causou maior reflexão?
O que não posso esquecer? Que desafios este trabalho me colocará? O que é difícil incorporar à minha prática de formador?
Rosângela Veliago

Fonte: MEC. Ministério da Educação. Programa de Formação de Professores Alfabetizadores - PROFA. Guia de Orientações Metodológicas Gerais. 2001. p. 162 a 170