10 de agosto de 2009

Análise de materiais e propostas

Estudo de seqüências de atividades de formação


O trabalho com seqüências de atividades de formação planejadas por outros educadores – como é o caso dos Módulos do Parâmetros em Ação e do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – requer um estudo detalhado por parte do formador, para que possa de fato se apropriar da proposta e adequá-la às necessidades do seu grupo real. Apenas a leitura não basta: é preciso uma análise criteriosa para identificar a lógica e os critérios de seleção e seqüenciação das atividades, as estratégias metodológicas propostas e os conteúdos que merecem aprofundamento para potencializar as intervenções do formador – e, se for o caso, as eventuais possibilidades de alteração.
Quando essa tarefa é realizada num grupo de formadores que tem como objetivo preparar o trabalho junto aos professores, é fundamental que estudem o material e explicitem aos demais o que identificaram e as eventuais dúvidas, pois a verbalização e a discussão coletiva, nesse caso, contribuem para a necessária apropriação do que está proposto. Somente a partir de um domínio do que foi planejado pelo outro é possível fazer modificações que devem ser sempre muito criteriosas, seja para recriar atividades, alterar a seqüência original ou inserir novos itens.
Não se pode modificar as seqüências aleatoriamente, sob o risco de desfigurá-las e torná-las incoerentes: elas não são um simples ajuntado de atividades, mas um todo organizado que deve ser tratado como tal.
Hoje sabemos que, seja no trabalho pedagógico de sala de aula, seja no trabalho de formação, a seqüenciação das propostas de atividades é uma variável importante para garantir bons resultados em relação à aprendizagem. E, tanto num caso como no outro, é o conhecimento sobre os processos e os estilos de aprendizagem que possibilita uma seqüenciação apropriada, em que as atividades e intervenções não só estão articuladas, mas refletem escolhas intencionais do que deve ser apresentado primeiro e do que deve ser apresentado somente depois.

Indiquei como tarefa de casa a leitura rápida do material para identificar os módulos do Parâmetros em Ação, etiquetando-os e elaborando um índice, e a leitura aprofundada de um deles, escolhido pelo grupo, para compreender sua estrutura e reconhecer o encadeamento das atividades. No dia seguinte, os educadores socializaram dúvidas quanto à organização do material e aos procedimentos utilizados para a leitura exploratória. Nesse momento, o foco central da discussão foram as expectativas de aprendizagem, o que rendeu um debate muito produtivo. Posteriormente procuraram identificar a lógica interna das seqüências de atividade e do módulo como um todo.
Marília Novaes

Identificar e listar as estratégias metodológicas utilizadas no módulo e/ou as seqüências de atividade é um procedimento relativamente simples que os grupos desenvolviam, às vezes, com rapidez. E eu me perguntava como esse procedimento poderia revelar a importância de se discutir as estratégias de formação... Tive a resposta a partir de um encaminhamento proposto num dos grupos que coordenei: sugerir que o conteúdo da atividade fosse abordado com outra estratégia e analisar a concepção de ensino e aprendizagem que estava "por trás" da nova proposta. Ter que encontrar outra estratégia que
poderia ser adequada para abordar o conteúdo configurou-se um bom problema para refletir sobre as possíveis formas de abordá-lo, ou seja, sobre as questões de natureza metodológica.
Marília Novaes

Ao ler uma seqüência de atividades de formação a ser desenvolvida com os professores, planejada por outros formadores, o coordenador de grupo deve cuidar para que ela revele, sempre que possível, o que está além da compreensão obtida numa primeira leitura. Para isso, é preciso analisar:
• A intenção da seqüência – escrever um texto próprio com suas palavras
(analisar de onde se parte e onde se quer chegar).
• As expectativas de aprendizagem – listar com suas próprias palavras (pensar no conhecimento que já tem, ou supõe que o grupo de professores possui, e na possibilidade de aprenderem o que se espera).
• Os conteúdos – listar os conteúdos (identificar o conhecimento que possui sobre o tema e a necessidade de aprofundamento, buscando em outras fontes maiores esclarecimentos e procurando ajuda de possíveis parceiros mais experientes; pensar no conhecimento que já sabe ou supõe que o grupo possui e antecipar as dúvidas que poderão ter).
• As estratégias metodológicas utilizadas – relacionar os procedimentos (pensar na forma de conduzir as atividades para potencializar as estratégias, favorecendo a discussão do conteúdo e planejando as intervenções: antecipar boas perguntas a fazer aos professores, formas de devolver perguntas para que eles próprios respondam, sistematizar as colocações feitas por eles).
• A própria seqüência – estudar cuidadosamente, procurando verificar se há necessidade de inserir outras atividades que possam favorecer a aprendizagem do grupo.

Duas coisas são fundamentais ao coordenador de grupo no preparo do trabalho:desenvolver um estudo sobre o conteúdo da seqüência proposta – e outros temas relacionados ao que será desenvolvido – e simular a sua realização para que, nesse exercício, coloque em jogo seu conhecimento e sua forma de atuação e possa refletir sobre o encaminhamento das atividades e sobre a prática de formador que está construindo.
Marília Novaes

Duas coisas são fundamentais ao coordenador de grupo no preparo do trabalho: desenvolver um estudo sobre o conteúdo da seqüência proposta – e outros temas relacionados ao que será desenvolvido e simular a sua realização para que, nesse exercício, coloque em jogo seu conhecimento e sua forma de atuação e possa refletir sobre o encaminhamento das atividades e sobre a prática de formador que está construindo.
Marília Novaes

Análise de produções de alunos e propostas didáticas

A análise e/ou comparação de produções de alunos,35 propostas, materiais e livros didáticos é, ao mesmo tempo, um procedimento bastante complexo e uma competência imprescindível a todo educador.
Nesse caso, para aferir a qualidade do que se analisa, é preciso dispor de conhecimento não só sobre os processos de aprendizagem dos alunos e sobre os conteúdos do ensino, mas também de conhecimento didático. E mais, é preciso saber pôr em uso esses conhecimentos, para analisar não só o que é aparente, mas o que tem por trás do que se observa – do contrário eles pouco contribuem.
Interpretar as produções de escritas não-convencionais dos alunos, por exemplo, depende de saber utilizar o conhecimento sobre as hipóteses de escrita, para compreender o que eles produziram:
pouco adianta saber o nome e a definição de cada uma das hipóteses se não se consegue identificá-las corretamente em produções reais, de alunos reais.
Avaliar a qualidade dos textos escritos pelos alunos também é algo que depende de acionar vários tipos de saber: sobre o gênero produzido, a natureza dos problemas encontrados, o que se pode esperar dos alunos mediante esse ou aquele modelo de ensino etc.
E analisar a qualidade de propostas, materiais e livros didáticos, não oferece dificuldade menor. Quando é essa a tarefa, o resultado depende da capacidade de avaliar não só a qualidade do material em si, mas a coerência pedagógica, a pertinência e a adequação à série, ao grupo de alunos a que se destina.
Na verdade, analisar o valor e a qualidade de algo, principalmente quando é preciso justificar os critérios de análise, requer o uso de certos recursos intelectuais e a coordenação de procedimentos complexos. É a necessidade de coordenar uma série de saberes conceituais e procedimentais, o que torna esse tipo de análise uma tarefa difícil. Uma tarefa que, para aprender a realizar, é preciso realizar com certa freqüência: como sabemos, procedimentos só se desenvolvem com exercitação.
Os depoimentos abaixo mostram os cuidados necessários ou os resultados de algumas dessas análises em grupos de formação e em classes de magistério.

Quando analisamos a pertinência de situações didáticas de alfabetização, é importante discutir a concepção de alfabetização que se tem. Para que e por que ensinamos as crianças a ler e escrever? Se o educador entende que é apenas para o sujeito codificar e decodificar a escrita, o bê-á-bá dá conta.
O desafio é formar leitores e escritores – usuários da leitura, pessoas que sejam capazes de utilizar a leitura e a escrita para o seu próprio desenvolvimento.
Para tanto, apenas o bê-á-bá não serve...
Regina Câmara

Apesar de falar sobre as hipóteses de escrita e saber nomeá-las, a maioria dos participantes do grupo encontrou muita insegurança para realizar a atividade de análise das produções de alunos não-alfabetizados: havia muitas dúvidas sobre o nível de conhecimento real que, ao produzir aquelas escritas, os alunos demonstravam possuir.
Nesse caso, retomar informações e ilustrações já feitas sobre as hipóteses de escrita me parece determinante para a compreensão das possibilidades de agrupamento dos alunos, para tornar possível a realização das atividades por todos (a tarefa para os educadores é analisar a adequação de uma atividade de leitura a um grupo de crianças que ainda não lêem).
O formador trabalha com as representações pessoais do grupo e deve fazer inferências a partir dessas representações: para isso tem de fazer com que os participantes falem, apresentem suas idéias e dúvidas. O passo seguinte é saber qual o conhecimento de referência mais importante para eles. Por exemplo, quando se trata de um grupo de educadores que acredita na importância do trabalho com famílias silábicas na alfabetização, temos que eleger o "conhecimento de referência" que precisa ser retomado ou priorizado, considerando os saberes prévios que eles possuem.
Beatriz Bontempi Gouveia

35 Para maior aprofundamento sobre possibilidades de análise de escritas de aluno como atividade de formação, ver "Evolução-avaliação". In Aprendendo a escrever, de Ana Teberosky, op. cit.

Para favorecer uma discussão mais aprofundada sobre as escritas de alunos não-alfabetizados, tenho feito um quadro na lousa, a ser preenchido coletivamente, para que todos possam explicitar o conhecimento que possuem sobre as hipóteses de escrita, porém sem nomeá-las. Nesse quadro, coloco a definição das hipóteses com algumas especificações, e a tarefa é indicar qual aluno revela, em sua produção, o conhecimento especificado na definição. Por exemplo:

• Não estabelece relação entre fala e escrita – ou, se estabelece, ainda não faz uso desse conhecimento ao escrever.
• Já estabelece relação entre fala e escrita e faz uso desse conhecimento quando escreve, mas ainda não compreendeu a natureza dessa relação.
• Já estabelece relação entre fala e escrita, faz uso desse conhecimento quando escreve e já compreendeu a natureza dessa relação.
É nesse momento que vai ficando mais claro quais as principais questões que se colocam para os alunos que estão aprendendo a ler e escrever (o que a escrita representa e de que forma) e quais questões são irrelevantes nesse momento, como a aprendizagem da letra cursiva, por exemplo.
Essa atividade tem sido significativa, pois permite discutir o que os alunos já sabem e o que ainda não sabem sobre a escrita, e como esse conhecimento é importante para o planejamento didático, para a formação de agrupamentos e para a intervenção do professor durante as atividades.
Somente ao final dessa discussão nomeio as hipóteses de escrita, enfatizando que o menos importante é o nome que elas receberam. E que de nada adianta saber o nome e a definição de algo, mas não saber fazer uso disso na prática.
Rosa Maria Antunes de Barros

Em alguns grupos de formação, temos analisado situações didáticas planejadas por professores alfabetizadores. Essa estratégia tem se mostrado importante, porque põe em jogo as concepções dos participantes dos grupos, especialmente quando estão analisando se as atividades são ou não boas situações de aprendizagem e por quê. Durante as discussões tenho observado que, em geral:

• O texto coletivo é pretexto para se retirar palavras que favoreçam o trabalho com as famílias silábicas que estão sendo ensinadas.
• Atividades consideradas boas muitas vezes ainda são de discriminação visual, com ênfase na memorização e na fixação.
• O ensino das sílabas, em alguns casos, está sendo substituído pelo das letras, sendo que elas têm uma finalidade em si mesmas – não um meio para, de alguma forma, os alunos pensarem sobre a escrita.
• Há uma concepção ainda muito forte de que as atividades de alfabetização devem ser lúdicas – "gostosinhas" e divertidas.
• A ênfase é dada às atividades de escrita e não de leitura.
Rosa Maria Antunes de Barros

Análise de livros didáticos

Faz parte do meu planejamento de CMLP (Conteúdos e Metodologia da Língua Portuguesa), no 4º- ano de Magistério, o trabalho de análise dos livros didáticos de 1ª- a 4ª- série aprovados pelo Ministério da Educação.
Neste ano trabalhamos com os livros de Língua Portuguesa aprovados para 2001 e encontrei algumas dificuldades. Não tínhamos o material, pois apesar do CEFAM ser um curso específico de Magistério, não recebe os livros do MEC. Tomei-os emprestados, então, de uma escola estadual de Ensino Fundamental, mas não consegui todos, porque alguns estavam sendo utilizados pelos professores da escola. Mesmo assim, acabou dando tudo certo em relação ao que eu havia programado.
Organizei os alunos em grupos. Escolhida a série para a qual preferiram analisar o material e realizar as atividades propostas, sugeri a seguinte seqüência de procedimentos a ser realizada na classe, sob
minha orientação se fosse necessário:

• Analisar vários livros de uma mesma série.
• Pesquisar e selecionar, entre os livros analisados, o texto proposto para leitura e interpretação considerado melhor, bem como atividades que abordassem pontuação, ortografia e outros aspectos gramaticais, consideradas mais adequadas.
• Montar uma seqüência de atividades para a série a que os livros se destinam a partir exclusivamente do material, podendo apenas fazer adaptações, mas não substituição de atividades.
• Elaborar a conclusão do grupo sobre o nível de qualidade das atividades propostas nos livros analisados, indicando eventuais dificuldades encontradas durante os trabalhos.
• Indicar a bibliografia utilizada, no trabalho final a ser entregue.
O objetivo principal desse trabalho que tenho desenvolvido é avaliar a competência dos alunos para analisar criticamente a qualidade das propostas contidas nos livros didáticos selecionados – como subsídio para o trabalho do professor, e como situação de ensino e aprendizagem para os alunos –, tendo como critério o estudo dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa realizado até então.
O trabalho foi significativo, despertou bastante interesse e cumpriu plenamente os objetivos, tanto dessa vez como em anos anteriores.
As conclusões demonstraram grande capacidade de os alunos identificar os benefícios e os problemas do material, tendo em conta os critérios estabelecidos, como se pode verificar em alguns trechos das conclusões, transcritos a seguir, representativos do conjunto da classe. Demonstraram também que foi preciso pesquisar vários livros para que se pudesse organizar uma seqüência de atividades de Língua Portuguesa coerente com os critérios estabelecidos: nenhum livro, sozinho, possibilitou isso, segundo a avaliação dos alunos.
É sabido que trabalhar com uma única fonte didática é alienador, tanto para o professor como para o aluno, uma vez que impede a ambos de confrontar idéias e possibilidades. No entanto, os livros didáticos analisados no decorrer desse trabalho trazem à luz o equilíbrio que deve haver entre o que é bom e o que é ruim. Nós não conseguimos encontrar em um único livro atividades que permitissem trabalhar com qualidade os diferentes aspectos selecionados: o texto, sua interpretação, aspectos ortográficos e gramaticais. Diante da diversidade de abordagens, conseguimos um denominador comum, que levou a algumas conclusões:
• Todos os livros podem oferecer informações e/ou atividades úteis, passíveis de alterações e adaptações.
• Nenhum trabalho deve apoiar-se em um único autor: pontos de vista diferentes possibilitam reflexão.
• Reconstruir atividades é um modo de favorecer a percepção do professor sobre o que é bom ou não para seus alunos, uma vez que essa tarefa deve ser feita antes de desenvolvê-las.
• Livros didáticos apenas não bastam, atividades complementares são essenciais. (Grupo que analisou livros de 1ª- série)
Escolher livros que auxiliarão o trabalho pedagógico depende da capacidade de o professor se posicionar em relação a eles, pois mesmo entre os livros didáticos aprovados pelo MEC, alguns não correspondem à idéia de que o aluno é o sujeito ativo de sua aprendizagem. (Grupo que analisou livros de 2ª- série)
Analisando diversos tipos de livro didático, notamos uma significativa carência de exercícios e textos que conduzam os alunos a uma visão mais abrangente da realidade. Muitos autores preocupam-se somente com a definição de conceitos, esquecendo-se da variedade lingüística, que é a marca registrada de um país tão diverso como o Brasil.
A Gramática (ou melhor, Dramática) continua utilizando velhos preconceitos e informando o aluno sobre uma realidade da língua que não existe a não ser nos livros dos "grandes autores" ou no meio da elite cultural brasileira.
Esses livros são oferecidos aos professores da rede pública, professores que em muitos casos têm idéias completamente ultrapassadas sobre o que é ensinar português. Sem terem base teórica para justificar suas práticas, continuam reproduzindo ideologias e afastando cada vez mais os alunos da livre expressão.
Quem dera os livros de fato fossem como anunciam em títulos como Navegando em textos. Na verdade não se navega, cada vez mais se afunda num mar de palavras, sinais de pontuação, ortografia, concordância etc.
As atividades selecionadas pelo grupo foram as que apresentam uma abordagem didática em que o aluno é o sujeito de sua própria aprendizagem. (Grupo que analisou livros de 3ª- série)
Para encontrarmos o texto e as atividades propostas, procuramos em muito livros didáticos, mas utilizamos apenas três. Não foi muito difícil encontrar o que foi solicitado, porém tivemos de fazer algumas adaptações nas atividades propostas nos livros e incluir outras, para que o critério de qualidade ficasse garantido.
Dois pontos imptantes a salientar são os seguintes: os livros utilizados foram aprovados pelo MEC e são atualizados.
Portanto, concluímos que os professores devem fazer uso de diversos livros didáticos e de diferentes fontes, sempre atualizados, e mesmo assim é preciso que façam adaptações de acordo com a realidade da classe, para que se evite um trabalho ultrapassado e completamente desvinculado das necessidades dos alunos. Mesmo que o professor adote um livro didático para ministrar suas aulas, é necessário que não se prenda só a ele, mas que também utilize outras fontes, sempre fazendo adequações.
Esse trabalho que fizemos foi muito importante, pois mostra que nem tudo aquilo que se encontra nos livros didáticos deve ser jogado fora, pelo contrário, com jeitinho e disposição, muitas coisas podem ser aproveitadas de forma produtiva e interessante para os alunos.(Grupo que analisou livros de 4a série)
Aparecida Costa Soligo


Fonte: MEC. Ministério da Educação. Programa de Formação de Professores Alfabetizadores - PROFA. Guia de Orientações Metodológicas Gerais. 2001. p. 171 a 177