26 de agosto de 2009

Correspondência

“A correspondência é um diálogo mediado pela escrita.”
Jean Hebrárd




A comunicação escrita entre o formador e os participantes do seu grupo, entre os participantes do grupo, ou entre grupos, é um importante recurso no processo de formação dos educadores – nesse caso, a correspondência é uma forma valiosa de incentivar o registro, a reflexão
por escrito, a comunicação e a leitura. Além disso, permite estreitar os vínculos entre as pessoas, tratar de assuntos que não tiveram lugar na discussão do grupo, enfatizar certas questões consideradas importantes, abordar conteúdos que tiveram tratamento insuficiente
durante os trabalhos, sistematizar as aprendizagens etc. E, assim como a Leitura Compartilhada, acaba por representar um agrado, um cuidado com o outro. Se quando prepara e faz uma Leitura Compartilhada o formador demonstra atitudes de cuidado com o grupo – porque
escolhe um texto belo ou interessante, porque o lê com antecedência para se preparar, porque tem prazer em ler para o grupo –, quando escreve cartas demonstra que "gastou tempo" se dedicando a dizer coisas que podem ajudar as pessoas em seu processo de aprendizagem,
ou simplesmente dizer o que está sentindo num dado momento. Essa é uma forma inequívoca de valorizar os educadores. Quando eles escrevem uns para os outros, a situação é a mesma: escrever uma carta é algo que demanda deixar de lado outros afazeres e priorizar a comunicação com o outro – quando o outro a recebe, recebe junto a mensagem implícita de que "meu colega dedicou seu tempo a me escrever".
Quando há possibilidade de uso da Internet, então as chances decomunicação se ampliam, pois se comunicar por e-mail é muito mais rápido, além de ser prático e barato: nesse caso, não é preciso
papel nem envelope, o endereço é mais curto e mais fácil de memorizar (se necessário), não é preciso ir ao Correio, tampouco comprar selo.
Nenhum educador que tenha oportunidade de acesso à Internet pode desperdiçá-la.
A seguir, uma proposta de correspondência interessante criada por um pólo do Programa Parâmetros em Ação, um depoimento sobre a opção pela correspondência com educadores como um recurso criado pela formadora para levá-los a escrever, e algumas cartas escritas em
diferentes contextos de formação.
Um dos pólos em que acompanho o desenvolvimento do Parâmetros em Ação teve uma iniciativa muito interessante: começaram a fazer um caderno de registro coletivo comum a todos os grupos de formação do pólo e, a partir daí, espontaneamente, passaram a estabelecer uma correspondência entre os participantes dos diferentes grupos.
Jane Padula

Ao iniciar um trabalho de formação continuada de professores, fiquei um tanto surpresa com o fato de que poucos iam para o Encontro com um cade rno para anotações e, durante as três horas de trabalho, a maioria não sentia necessidade de registrar, pois, além de não terem seu próprio caderno, não solicitavam papel para escrever. Inicialmente coloquei a importância de fazermos anotações, para que pudéssemos resgatar o que estava sendo discutido, identificar dúvidas... O retorno foi muito pequeno.
Buscando uma alternativa, e querendo provocar a necessidade de que fizessem anotações durante os Encontros, entreguei um caderno a cada participante, para que ao final do Encontro escrevessem para mim: o que identificaram como a discussão mais relevante do dia; as dúvidas que gostariam de discutir; questões que gostariam de ver abordadas; ou qualquer outro ponto que quisessem compartilhar comigo, pois aquele seria um espaço de troca pessoal entre nós.
Ao final do primeiro Encontro após esse encaminhamento todos me entregaram um pequeno texto escrito e, no encontro seguinte, devolvi os cadernos com um texto para cada um: a resposta a uma questão colocada, uma sugestão de encaminhamento didático, uma indicação de texto a ser lido, a resposta a um convite para visitar a sala de aula, um incentivo ao desenvolvimento pessoal e profissional...
Esse procedimento provocou um aumento significativo no número de professores que passaram a fazer anotações.
Observando as anotações que eles faziam em seus cadernos – e pensando nos poucos que ainda iam ao Encontro sem material para anotação – passei, durante os Encontros, a sugerir que copiassem em seus cadernos as anotações que estavam na lousa, a indicar que aquele ponto da discussão era importante e que era necessário registrar as conclusões, e coisas do tipo. Assim, levar um caderno para os Encontros passou a ter sentido e ser imprescindível – embora alguns ainda não se mostrassem dispostos a registrar.
Esse tipo de correspondência, via caderno, favoreceu muito a criação de um vínculo entre nós e, principalmente, aproximação e confiança. Muito mais do que espaço para falar sobre o conhecimento adquirido, o caderno era espaço de confidenciar as angústias e medos diante do desconhecido e, com a mudançade prática que se vislumbrava, a possibilidade de ter com quem compartilhar...
Isso fez muita diferença.
No ano seguinte, ao retornar para trabalhar com os mesmos professores, me surpreendi ao encontrar praticamente todos já com seus cadernos para as anotações. Estávamos conseguindo, pouco a pouco, criar uma cultura do registro no trabalho de formação.
Marília Novaes



Professoras
Gostaria de iniciar nossa conversa tecendo algumas considerações sobre as certezas e as dúvidas em relação ao tema "alfabetização", numa abordagem construtivista, colocadas por vocês em nosso primeiro Encontro. Mas antes, quero compartilhar com vocês o motivo de fazer isso por escrito. O primeiro – mas não o mais importante – é o curtíssimo tempo que temos juntas; e o
segundo – agora, sim, o mais importante – é que a partir deste documento podemos inaugurar um canal de comunicação. Podemos trocar informações, textos interessantes, reflexões a partir de uma determinada leitura, dúvidas... por e-mail (para quem tiver) ou correspondência. No final deixo meu e-mail e endereço.
Vamos então às considerações.
Nesses momentos de transição entre "o velho e o novo", geralmente a lista de dúvidas é maior que a de certezas. No grupo de vocês não foi diferente. Isso a meu ver é bom, muito bom. Revela uma atitude fundamental para impulsionar nosso processo de mudança, de transformação.
Quero aqui me ater mais às dúvidas, mas acho que vale ressaltar algumas certezas colocadas por vocês:
• A criança desperta para a escrita quando damos uma função para ela.
• Toda criança é capaz.
• É fundamental o contato com livros, com diferentes textos.
• É necessário ler para aprender a ler.
Quanta mudança de paradigma se observa nessas falas! Imaginem uma lista de certezas escrita há quinze anos. Provavelmente trataríamos de coisas do tipo: coordenação motora é fundamental para aprender a ler e escrever, é preciso trabalhar bastante cada família silábica; eu ensino, mas as crianças não aprendem.

Porém, se por um lado essas mudanças estão presentes em nossas idéias, por outro sabemos o quanto é trabalhoso inseri-las em nossa prática pedagógica.
Eis aqui nosso desafio!
Quanto às dúvidas, optei por transcrevê-las em forma de perguntas e comentar cada uma delas. Vejam (em anexo) se isso pode colaborar para enriquecer o processo de formação de cada uma de vocês.
[…] Um abraço a todas!36
Cristiane Pelissari



São Paulo, 9 de agosto de 2000



Caras colegas
Como passaram esta última semana?
Nós aqui da EMEI ficamos superinstigadas com as atividades discutidas no último Encontro, principalmente a da cruzadinha como situação de leitura para os alunos não-alfabetizados. Quantas vezes já propusemos esse tipo de reais que isso poderia proporcionar a eles? Como o curso vem aliando a teoria às atividades práticas e aos exercícios de reflexão, para nós, professores, a cada Encontro ele tem ficado mais e mais interessante e desafiador. E como é angustiante (mas também estimulante) saber que não conhecemos tudo, mesmo que já tenhamos participado de tantas capacitações... Ou perceber que muitas vezes conhecemos e verbalizamos a teoria aprendida, mas não temos conseguido utilizá-la em nossas aulas em favor de nossas crianças, principalmente daquelas com maiores dificuldades.
Quanto às mudanças ocorridas em nossa escola, podemos citar:
• As análises de escrita propostas durante o curso têm nos ajudado no
diagnóstico das sondagens de leitura e escrita que fazemos na escola. Analisamos novamente a escrita de algumas crianças, agora com um novo "olhar", menos limitado. Também estamos valorizando mais os alunos que já escrevem silabicamente, pois já conseguiram dar um grande salto em suas hipóteses e já conseguem associar fala e escrita.
• Temos nos preocupado mais em utilizar textos significativos, que tenham Carta escrita a um grupo de professoras de escolas públicas de Educação Infantil, cujo anexo foi suprimido neste texto.

realmente uma função social, isto é, que sejam utilizados também fora do contexto escolar. Por exemplo: as listas de palavras começadas com A, B, C, etc... que fazíamos estão dando lugar à verdadeiras listagens (composta de palavras que possuem relação semântica entre si).
• Estamos investindo cada vez mais na leitura diária de bons e diferentes textos para as crianças (apesar de já trabalharmos bastante com a leitura na EMEI.), pois acreditamos que além de todo o prazer que essa prática proporciona, ela também pode ajudar muito nossos alunos na produção de textos.
• Começamos a dar maior ênfase à escrita espontânea, não somente de palavras soltas, mas também de textos conhecidos das crianças, como parlendas e músicas. O caderno de produção de texto de alunos, apresentado no curso, mostrou-nos uma série de possibilidades a trabalhar.
• Além dos aspectos citados acima, temos conversado sobre o curso na escola com outros colegas e colocado em discussão temas que tratamos em nossa capacitação; todos têm demonstrado muito interesse em também modificar algumas de suas práticas.
Enfim, acreditamos que a "perda" de algumas de nossas manhãs de sábado está sendo recompensada pelo prazer do conhecimento que estamos adquirindo.
Até breve
Adna, Eliane, Regina e Silvia
P.S. Estamos ansiosas em receber a carta de vocês!
São Paulo, 11 de agosto de 2000
Adna, Eliane, Regina e Silvia
Fiquei feliz ao receber o fax que vocês me encaminharam, e por isso resolvi responder imediatamente. A Rosa está viajando, mas tenho certeza de que quando ler a carta de vocês ficará emocionada.
Construir uma prática pedagógica que de fato considere o que o aluno sabe, como aprende e como é preciso ensiná-lo, é um grande desafio. Certamente, são profissionais como vocês, que não desanimam, apesar de todas as dificuldades,
que nos mostram que é possível uma prática de qualidade na escola pública.

As mudanças relatadas só foram possíveis porque, sem dúvida, as questões que temos discutido já eram foco da atenção de vocês.
No próximo Encontro, dia 19/08, avançaremos um pouco mais, o que, sem dúvida, nos colocará outros problemas, afinal aprender é assim mesmo... mal descobrimos algo e já precisamos de mais.
Gostaria de recomendar um livro para vocês, que acrescenta questões importantes ao que estamos discutindo. Seu título é Leitura significativa, e foi escrito por Frank Smith, um especialista nas questões relacionadas à leitura. Estou anexando o trecho de um capítulo do livro que reforça a importância dos avanços que vocês relataram. Vão também algumas sugestões de textos para leitura com as crianças. Uma boa idéia é criar um caderno ou uma pasta de texto, que as crianças saibam de memória – eles se convertem em um bom material para pensar tanto sobre a leitura como sobre a escrita.
Um grande beijo,
Rosângela 37
São Paulo, 17 de maio de 1999
Caras colegas
No nosso primeiro Encontro, fizemos uma apresentação do grupo e cada uma de vocês falou dos avanços que têm tido em sala de aula. A intenção foi organizar a prática a partir do reconhecimento e da socialização dos acertos, uma vez que as dificuldades já tinham sido apontadas no questionário que vocês responderam individualmente.
É importante considerar que trabalhar com uma proposta construtivista não é uma tarefa fácil: requer um esforço grande do professor, que nem sempre é reconhecido do ponto de vista institucional. Mas, se considerarmos o mais importante, que é o desenvolvimento das crianças – razão de ser da escola e da atuação profissional dos professores –, a certeza é sempre de que nossos esforços valeram a pena!
Ao investigar nossa prática, a forma pela qual trabalhamos e seqüenciamos os conteúdos, nossas propostas de atividade, a maneira de intervirmos junto aos alunos, inevitavelmente constatamos que, embora em muitos aspectos as coisas estejam dando certo, há aspectos que ainda precisam ser reformulados, transformados. Nesses momentos, nos perguntamos como fazer essas mudanças, quais atividades são mais adequadas aos nossos objetivos e, às vezes, nos erguntamos também "mas qual era mesmo o meu objetivo?".
Vem uma sensação de que agora devemos esquecer tudo o que sabemos e mudar radicalmente.
Nessa hora – e sempre – é importante saber que as mudanças não acontecem de uma hora para a outra, mas sim gradativamente.
Muitas são as questões que vamos nos colocando à medida que entramos em contato com uma grande quantidade de informações a respeito de possíveis alternativas àquilo que estamos acostumados a fazer.
Quando tomamos contato com atividades diferentes, que requerem um planejamento criterioso, muita mão-de-obra e tempo para prepará-las, vêm logo as perguntas: como fazer tudo o que quero se tenho pouco tempo?
Como planejar essas atividades, se os materiais disponíveis são insuficientes?
Temos aí, de fato, um problema.
Mas, como tudo não é absolutamente insolúvel, podemos pensar em algumas saídas necessárias, como, por exemplo, buscar parceiros com quem se pode contar na escola, pois não é possível fazer sozinho tudo que é necessário `a uma prática pedagógica, que promova verdadeiramente a aprendizagem de todas as crianças – pesquisar todo o material, preparar atividades produtivas,
mimeografá-las, corrigi-las etc. Outra saída consiste em conhecer quais são os recursos disponíveis na escola, os que são imprescindíveis ao trabalho, e como ter acesso a eles.
Como se não bastassem essas inquietações, ainda há outras com relação às atividades. Uma delas é que, às vezes, conhecemos uma atividade interessante, mas como não dá certo da primeira ou da segunda vez que a apresentamos aos alunos, acabamos desistindo, e... certamente, já experimentamos muitas atividades diferentes que nos sugeriram por serem consideradas excelentes e que de nada serviram para a aprendizagem dos nossos alunos.
A essa altura, é bom respirar fundo, frear um pouco nossas angústias para poder ter melhor visibilidade do que de fato está acontecendo.
Não é da primeira vez que as atividades propostas darão certo, principalmente quando não são familiares aos alunos: não adianta tentar uma ou duas vezes e desistir.
É preciso saber que não é a atividade em si que promove a aprendizagem, mas a situação didática como um todo, desde que seja adequada ao grupo de alunos para o qual se destina. Situação didática, aqui, entendida como atividade mais intervenção do professor.
E muitas vezes nos pegamos pensando: "É muita coisa para eu fazer e não dá para fazer isso tudo direito. Vou desistir!".
É bom saber que não dá para fazer tudo absolutamente perfeito – faz-se o que é possível; porém, é preciso que seja sempre da melhor maneira que pudermos.
Se encaramos o Magistério como uma profissão de fato, não podemos deixar de ser o melhor profissionalmente. Afinal, o resultado de nosso trabalho é a aprendizagem de muitas crianças – de muitas pessoas! –, não é qualquer coisa sem grande importância.

Na nossa roda de apresentação, vocês reafirmaram os dados do questionário, com relação ao trabalho com o grupo de alunos, perguntando: "Como vou acompanhar a produção de todos os meus alunos? Como atender aos diferentes níveis, se eu sou uma só?".
Para tanto, é preciso conhecer a fundo o desempenho dos alunos – por isso tivemos como pauta do nosso primeiro Encontro a discussão sobre as hipóteses de escrita das crianças. E temos que ter claro que não é possível diagnosticá-las num único dia – para isso, é preciso selecionar quais são os alunos que receberão atendimento prioritário, no momento em que encontrarmos uma forma de atendê-los.
Quanto à heterogeneidade, é fundamental refletirmos sobre as suas vantagens, não só para os alunos, mas também para o professor: quando aprendemos a montar grupos heterogêneos e produtivos, ficamos mais soltos para atender aos alunos que consideramos prioritários – ou seja, o trabalho não fica todo amarrado à figura do professor. E, nesse sentido, é útil nos perguntarmos se é possível existir, de fato, uma classe homogênea, se as pessoas são diferentes umas das outras... A ilusão da classe homogênea é fruto de uma prática na qual não se diagnostica o conhecimento real dos alunos. É bom que façamos uma séria reflexão a esse respeito.
Há que se considerar, ainda, outros aspectos igualmente fundamentais: qual a expectativa que temos sobre a aprendizagem dos nossos alunos? Como temos valorizado os alunos tidos como mais fracos?
“Ao mesmo tempo que são construídos significados sobre os conteúdos do ensino, os alunos constroem representações sobre a própria situação didática, que pode ser percebida como estimulante e desafiadora ou, pelo contrário, como intratável e tediosa, desprovida de interesse ou inatingível para suas possibilidades. Naturalmente, também constroem representações sobre eles mesmos, nas quais podem aparecer como pessoas competentes, interlocutores interessantes para seus professores e colegas, capacitados para resolver os problemas colocados ou, no pólo oposto, como pessoas pouco capazes, incompetentes ou com poucos recursos. Por sua vez, os "outros" presentes na situação de aprendizagem podem ser percebidos em uma ampla gama de representações que oscila entre um pólo no qual colegas e professor podem ser vistos como pessoas que compartilham objetivos e ajudam na consecução da tarefa ou, no pólo oposto, como rivais e repressores.
Assim, podemos afirmar que, quando aprendemos, aprendemos os conteúdos e também aprendemos que podemos aprender; quando não aprendemos os conteúdos, podemos aprender algo: que não somos capazes de aprender (e podemos atribuir isso a diferentes causas, nem todas igualmente prejudiciais para a auto-estima). Tudo isso ocorre durante as interações estabelecidas na sala de aula, em torno de tarefas cotidianas, entre alunos e entre os alunos e o professor; e durante essas interações é que se constrói a motivação intrínseca, que não é uma
característica do aluno, mas da situação do ensino/aprendizagem, e afeta a todos seus protagonistas. Tapia e Montero (1990) assinalam que a meta perseguida pelo sujeito intrinsecamente motivado é "a experiência do sentimento de competência e autodeterminação, sentimento experimentado na própria realização da tarefa e que não depende de recompensas externas" (o que seria próprio da motivação extrínseca).
Isso quer dizer (pelo menos assim o interpretamos) que, quando alguém pretende aprender e aprende, a experiência vivida lhe oferece uma imagem positiva de si mesmo, e sua auto-estima é reforçada, o que, sem dúvida, constitui uma boa bagagem para continuar enfrentando os desafios que se apresentem. O autoconceito, influenciado pelo processo seguido e pelos resultados obtidos na situação de aprendizagem, por sua vez, influencia a forma de enfrentá-la e, em geral, como foi evidenciado por Rogers (1987) e Rogers e Kutnik (1992), a forma de comportar-se, de interagir, de estar no mundo.
O autoconceito (Fierro, 1990) inclui um amplo conjunto de representações (imagens, juízos, conceitos) que temos sobre nós mesmos, e que englobam aspectos corporais, psicológicos, sociais, morais e outros. Pode referir-se ao indivíduo, globalmente considerado, ou a alguma dimensão ou
aspecto concreto. O autoconceito refere-se ao conhecimento de si mesmo e inclui juízos valorativos, chamado de auto-estima. Situando-nos no contexto escolar, foi demonstrada a relação entre o autoconceito e o rendimento escolar, e não há muitas dúvidas sobre o fato de que crianças e adolescentes com um alto nível de auto-estima obtêm melhores resultados na escola. Mais discutível é o sentido dessa relação (a autoestima é que influencia os resultados, ou estes é que são responsáveis por uma elevada auto-estima?), embora pareça sensato pensar que o que existe é uma influência mútua, uma relação circular ou em espiral.
O autoconceito é aprendido ou forjado no decorrer das experiências da vida; as relações interpessoais, particularmente as vinculadas aos "outros significativos" (pais, irmãos, professores, colegas, amigos etc.), constituem
os elos mediante os quais a pessoa tece a visão de si mesma. No decorrer das interações que vive, a criança elabora essa visão a partir da interiorização das atitudes e percepções que esses "outros" têm a seu respeito, de modo que as atitudes vividas na relação interpessoal vão criando um conjunto de atitudes pessoais em relação a ela mesma. Assim, acaba considerando-se simpática ou incômoda, esperta ou desajeitada, chata ou encantadora, porque é isso que os demais lhe transmitem, muitas vezes de forma totalmente inconsciente.
"Vamos ver quanto dá o problema da Inês, porque ela nunca erra."
"Pedro, tenho certeza de que hoje você também não fez a lição."
"Não faça esta parte, você não vai entender. Quando terminar o terceiro exercício, pode vir e vamos ver se você soube resolvê-lo."
"Olhe só! Eu não disse, vocês disseram tudo! Percebem tudo o que já sabem de proporções?"
Essas são algumas das verbalizações de um excelente professor de matemática, que permitem ver a sutileza com que muitas vezes "se infiltram" em nosso discurso apreciações sobre os demais. (Isabel Solé )
Os alunos com maiores dificuldades devem sempre ser tratados com respeito intelectual, e não ser superprotegidos – isso, geralmente, acentua a intolerância dos demais alunos com eles, uma vez que, ao superprotegê-los, o professor lhes dedica atenção diferenciada. Quando possível e adequado, vale a pena propor, como desafio para a classe, ajudar uma determinada criança – ou várias, dependendo do caso – a aprender um tal conteúdo num certo prazo.
É importante criar situações em que seja valorizado o conhecimento do aluno sobre outras coisas, e não só os conteúdos escolares clássicos, para que ele também reconheça suas competências e para que a turma reconheça, por sua vez, as diferentes competências que cada um tem. Assim se vai aprendendo que cada um sabe uma coisa, mas que todos têm capacidade para aprender o que ainda não sabem.
Esse tipo de procedimento contribui para a aprendizagem de outros conteúdos escolares da maior relevância: o respeito ao diferente, a solidariedade, a tolerância, o estabelecimento de relações pautadas pela ética e não pela discriminação e pela opressão dos considerados mais fracos. É pelo exercício cotidiano, em situações "modelares", que se ensinam e se aprendem conteúdos como esses: não é pelo discurso.
É fundamental que nós, como professoras, possamos refletir sobre qual a postura que temos perante os alunos, pois ela é uma referência poderosa para o grupo de como tratar as diferenças, como se relacionar com o outro e como se disponibilizar a aprender e a ensinar.
[…]
Vamos conversar um pouco sobre o que tem dado certo na opinião das colegas do grupo...
Rosana Dutoit

Avaliação
A concepção metodológica defendida neste Guia pressupõe a avaliação como parte integrante do processo de formação profissional em diferentes níveis. Na verdade, quando se acredita que a ação deve ser planejada a partir do contexto em que ela se insere, a avaliação é contínua. Isso significa, em um nível mais amplo, mais institucional, avaliar a realidade sobre a qual se pretende fazer incidir os programas de formação – para que eles possam se organizar a partir de um diagnóstico preciso, que forneça elementos para a definição de objetivos – e avaliar o impacto das ações propostas no sistema de ensino. Em um nível mais interno ao processo, significa avaliar o
conhecimento prévio dos educadores para planejar/replanejar as atividades e intervenções propostas, a qualidade e a eficácia das propostas, os conhecimentos adquiridos por eles, sua atuação durante as atividades e seu percurso de aprendizagem.
Uma das práticas que vêm sendo incentivadas no Programa Parâmetros em Ação é a de avaliação do trabalho desenvolvido considerando as expectativas de aprendizagem explicitadas no início das atividades do grupo. Se as expectativas referenciam os educadores quanto às aprendizagens pretendidas com o trabalho proposto, a avaliação, tendo-as como parâmetros, contribui para que eles monitorem, de alguma forma, o seu próprio processo de formação.
O que os formadores relatam a seguir são situações de avaliação do trabalho desenvolvido e de identificação das aprendizagens conquistadas nos quatro dias do Encontro do Programa Parâmetros em Ação. Por último, há três instrumentos de avaliação escrita cujo objetivo é fazer
com que os professores coloquem em uso os conhecimentos adquiridos (num curso de formação inicial) e não simplesmente "devolvam" os conceitos trabalhados por meio da reprodução de
definições: são questões que "obrigam" os professores a mostrar de fato o quanto conseguem utilizar, em situações-problema, o que aprenderam no curso.
A avaliação é parte fundamental de todo trabalho de formação. Tem sido significativa a situação de avaliar cada atividade coletivamente, a partir das expectativas de aprendizagem, e depois pedir que os participantes do grupo escrevam no caderno uma auto-avaliação, anotando, inclusive, o que querem lembrar quando forem realizar o trabalho de formação junto aos professores.
Eles se concentram bastante nesses momentos e ficam todos em silêncio, escrevendo. Geralmente perguntam se precisam ler para a turma. E eu digo que não, que estão escrevendo para eles mesmos.
Antonia Terra
Na avaliação do Encontro, solicitei que listássemos aquilo que eles haviam aprendido. Saiu então o seguinte:
• É preciso reservar tempo para planejar as atividades.
• É importante elaborar uma pauta da atividade que será coordenada por nós.
• É importante delimitar e coordenar o tempo de cada tarefa.
• O coordenador deve se preocupar em gerenciar o tempo de fala dos
participantes, para que todos tenham oportunidade de falar.
• É preciso estudar para preparar as atividades.
• É preciso adaptar algumas atividades à realidade local.
• Considerar que toda atividade precisa ter início, meio e fim.
• É preciso confeccionar os materiais para as atividades.
• É importante que o coordenador de grupo elabore relatórios sobre o traba
lho realizado – o que fez, pontos positivos, pontos negativos, avaliação, o
que deve deixar, o que mudar, o que melhorar.
• Sempre apresentar as expectativas de aprendizagem para os participantes.
• Sempre avaliar a partir das expectativas de aprendizagem.
Antonia Terra
Sempre que no último dia de trabalho realizo a avaliação final, pergunto-me qual é o seu valor, até que ponto as pessoas são sinceras, por que tão poucos falam, e também por que de um modo geral as avaliações são sempre tão positivas.
Nesse grupo fui surpreendida por um depoimento muito forte de um professor que durante todo o trabalho se pronunciou muito pouco. No momento da avaliação, levantou a mão, pois queria dar um depoimento, que de fato me emocionou... Começou dizendo que esse Encontro havia possibilitado que ele encontrasse o sentido de sua função e que na noite anterior ficou até as 2
horas da manhã estudando, porque nesses dias havia percebido o quanto estava desatualizado, e que precisava urgentemente dedicar um bom tempo de ua vida ao estudo. Disse também que a sua mulher ficou muito surpresa ao vê-lo lendo até de madrugada, pois jamais havia presenciado uma cena daquela.
Tenho pensado muito, e ainda não cheguei a uma conclusão, mas se com esse trabalho conseguirmos aproximar de fato os formadores da leitura, convencê-los do valor que ela tem e desafiá-los a estudar, certamente estaremos dando um grande passo, talvez o mais importante.
Rosângela Veliago
No final de cada Seqüência de Atividades, faço uma rodada de avaliação oral do trabalho. Os participantes do grupo devem falar brevemente sobre a questão que o incomodou mais, que achou mais significativa, ou importante para seutrabalho de formador. Essa avaliação me permite retomar alguns aspectos, muitas vezes entendidos de forma distorcida, e confirmar ou rever pontos relevantes da pauta ou da minha intervenção como formadora, que muitas vezes passam despercebidos.
Roberta Pânico
Costumava fazer a avaliação das atividades de simulação após a apresentação de todos os grupos, utilizando a ficha de observação produzida pela formadora Regina Lico: "Pontos a Serem Observados".
Percebi que assim muitas coisas se perdiam ao realizar e resolvi então ampliar o tempo das simulações, utilizando essa preciosa ficha de observação, para que pudéssemos fazer a avaliação após a apresentação de cada grupo.
Considero o resultado desse procedimento muito positivo porque:
• Os grupos se posicionam com maior lembrança do ocorrido.
• Os que acabaram de participar da simulação aliviam a ansiedade de falar sobre como se sentiram e quais as dificuldades encontradas.
• Os grupos exercitam e aprimoram a capacidade de reflexão e crítica, a objetividade e a capacidade de síntese.
• Os grupos subseqüentes se beneficiam das avaliações anteriores.
• A preocupação com as concepções e estratégias metodológicas passa a ocupar lugar de maior destaque.
• No final das apresentações, surgem reflexões do tipo: "Percebo que paraproblematizar eu preciso saber muito mais do que eu sei"; "Para trabalhar com a ampliação das fontes de conhecimento, eu tenho de ler mais e ampliar minha cultura"; "Trabalhar com os conteúdos é moleza, difícil é usar adequadamente as estratégias de formação"; "Nunca pensei que poderíamos trabalhar tantas estratégias ao mesmo tempo!"; "Agora, com os Parâmetros em Ação, é que começo a entender como utilizar o Referencial Curricular de Educação Infantil".
Minha conclusão é que, ao fazermos as avaliações após cada simulação, estamos oferecendo um tempo maior para o amadurecimento e a apropriação das concepções e estratégias metodológicas, o que é favorecido pelos vários exercícios contínuos, em vez de um único exercício ao final de todos os grupos.
Riva Cusnir
Se não tivermos critérios para a avaliação dos educadores sobre o trabalho realizado, no final, vale tudo: "Você é simpática", "Adorei o trabalho", e coisas do tipo.
Para avaliar as atividades realizadas no Encontro do Parâmetros em Ação, tenho pedido para os participantes do grupo identificarem, entre as expectativas de aprendizagem previstas, quais eles acham que foram atingidas. Dessa forma, fica explícito para eles "o que agora eu sei que antes não sabia", como também, "o que eu não consegui responder, sendo então necessário pensar em por que isso aconteceu".
Temos que focar o olhar do grupo nos aspectos que consideramos importantes.
A Regina Lico criou uma pauta de avaliação dos trabalhos que tenho utilizado, e tem apresentado bons resultados. Essa pauta segue mais ou menos os seguintes tópicos:
Papel do formador
• Aproveitou dúvidas e questões surgidas?
• Foi desafiador?
• Considerou os conhecimentos prévios do grupo?
• Provocou os participantes para que houvesse pluralidade de idéias?
• Ajudou a organizar os conhecimentos?
• Aprofundou teoricamente as discussões?
Registro
• Foi significativo?
• Serviu para sintetizar as idéias?
• Ajudou a organizar os conhecimentos do grupo?
• Foi usado pelo coordenador para fazer a relação teoria-prática?
Procedimentos metodológicos
• Foram desafiadores?
• Propiciaram interação e cooperação?
• Foram diversificados?
• Todos puderam dar opiniões?
Conteúdos tratados
• Atenderam à finalidade e às expectativas do módulo?
Uso dos PCN e dos Módulos do Parâmetros em Ação
• Foi feita relação entre ambos?"
Renata Violante
Instrumento de avaliação escrita
Proposta 1
Você foi convidado(a) a dar uma entrevista para uma revista que trata de temas educacionais. As perguntas dessa entrevista você deverá responder por escrito para que sejam publicadas. O título da matéria é: "Depoimentos de professores sobre a prática pedagógica".
1. Os professores têm perguntado como trabalhar numa proposta construtivista com a quantidade de conteúdos que têm para desenvolver até o final do ano. Geralmente se perdem diante de tantas matérias e não sabem como tratá-las sem ser pela transmissão de informações para os alunos. Qual contribuição você daria a eles? Para você, como os conteúdos podem ser desenvolvidos em sala de aula?
2. Outra questão com a qual os professores têm se deparado se refere às classes heterogêneas; dizem que com alunos de diferentes níveis de desenvolvimento é difícil trabalhar. Hoje sabemos que não é bem assim, que a diversidade em sala de aula, além de inevitável, é produtiva. Como você explicaria isso aos professores, e que sugestões daria a eles com relação a esse assunto?
3. Os pais, preocupados com a aprendizagem de seus filhos, têm questionado o papel da escola, que hoje tem pouco ajudado as crianças a aprenderem. Que informações você daria a eles sobre a importância e as vantagens de uma proposta pedagógica pautada na concepção construtivista de ensino e aprendizagem?
Proposta 2
Você acabou de entrar numa escola cuja proposta pedagógica se baseia nos princípios do ensino tradicional. No seu primeiro dia de trabalho, é chamado(a) para participar de uma reunião de professores.
Nessa reunião, você percebe que as professoras estão muito preocupadas, pois as crianças não estão aprendendo. Dizem que porque as classes têm alunos com diferentes níveis de desenvolvimento fica muito difícilensinar, que os conteúdos são muitos e não sabem de que forma podem desenvolvê-los. Têm dúvidas de como e quando informar as crianças e até mesmo de envolvê-las com os temas das aulas, pois geralmente parecem desinteressadas.
Você ouve os questionamentos do grupo e, então, a coordenadora da escola pede para você contribuir com a discussão, sugerindo alternativas, uma vez que está estudando num curso superior de formação inicial.
Para que o grupo possa aproveitar melhor a sua colaboração, a coordenadora lhe pede que faça um texto, com as principais questões colocadas pelo grupo e as respostas que você daria a elas. A proposta é que esse texto seja lido e discutido na próxima reunião.
Proposta 3
Imagine que você está trabalhando com professoras da zona rural de São Paulo. Quinzenalmente, você visita a sala de uma delas e, após a aula, discute com a professora o trabalho realizado.
Hoje, pela primeira vez, você esteve na sala de aula da professora Paula.
As carteiras da classe estavam em filas separadas. Nas paredes havia um abecedário, cartazes de vacina antigos, páginas de uma antiga cartilha, um mapa-múndi. Nas prateleiras, alguns livros didáticos antigos, alguns paradidáticos, alguns livros de história.Tudo muito bem arrumado
e limpo.
Depois de meia hora, Paula pediu às crianças que lessem o texto "O sumiço do Zé Leo", que havia selecionado de uma cartilha. Cada aluno recebeu uma cópia mimeografada do texto. A tarefa proposta foi que cada aluno lesse o texto silenciosamente na carteira, para em seguida responder às questões que haviam copiado no caderno. Algumas crianças foram rápidas e terminaram antes da hora, outras não escreveram nada, ficaram só tentando ler o texto, e umas cinco crianças estavam muito preocupadas com o que faziam, se estava certo ou não.
Por volta das 10h, Paula recomendou que parassem o trabalho e formassem uma fila para receber a merenda. Ficaram brincando no pátio até as 10h30.
Voltaram para suas carteiras e Paula entregou a cada aluno um exercício em folha mimeografada,com contas de adição e subtração para resolverem.
Cada aluno armava a conta e procurava resolvê-la. Quando tinham dúvidas, levantavam a mão ou se dirigiam até a professora, para pedir ajuda. Por volta de 11h10, Paula começou a chamar alguns alunos, um a um, para resolver as contas na lousa.As outras crianças permaneciam na carteira, um pouco dispersas, mas a classe estava tranqüila.
Quando terminou a correção das contas, Paula propôs que Kleiton fosse até o cantinho de leitura e escolhesse um livro, que leria para os colegas. Kleiton escolheu o livro "Lúcia, já vou indo". Foi para a frente da sala, e começou sua leitura. No início, as outras crianças, sentadas em suas carteiras, estavam interessadas; mas logo foram se dispersando, pois Kleiton lia devagar, e ainda não tinha muita fluência. Depois que ele leu umas cinco páginas, Paula chamou Kátia para continuar a leitura.
Essa atividade durou até as 11h40.Terminada essa atividade, Paula propôs que jogassem o jogo de forca. Desenhou a forca, os espaços correspondentes à primeira palavra, e as crianças iam resolvendo oralmente, enquanto ela escrevia as letras que eles propunham.
Brincaram até às 12h e, aos poucos, foram arrumando seu material e indo embora para casa.
1.Liste os aspectos que você priorizaria na discussão com a professora Paula. 2. O que você abordaria sobre cada um dos aspectos levantados?


36 Carta escrita a um grupo de professoras de escolas públicas de Educação Infantil, cujo anexo foi suprimido neste texto.

Fonte: MEC. Ministério da Educação. Programa de Formação de Professores Alfabetizadores - PROFA. Guia de Orientações Metodológicas Gerais. 2001. p. 184 a 195.